terça-feira, 17 de agosto de 2010

Quinto prelúdio - Capítulo VI

CAPÍTULO SEXTO
Por que, eu vos pergunto, Átalo, esse magnífico rei de Pérgamo [Átalo I (269 a.C. – 197 a.C.), conhecido como Átalo Sóter, foi rei da cidade grega de Pérgamo (hoje, situada na Turquia) entre os anos de 241 a.C. e 197 a.C., e é o primeiro membro da Dinastia atálida. É conhecido por ter vivido de forma simples, desfrutando da vida doméstica com sua esposa Apolônide e seus quatro filhos, Eumenes, Átalo, Filetero e Ateneu. Morreu aos 72 anos, tendo sido sucedido por seu filho Eumenes; ndt], deixando a suntuosa maneira de viver daqueles de sua condição, deixando o luxo e as delícias nas quais ele poderia ter se abandonado licenciosamente, preferiu o contentamento de cultivar seu jardim à glória de ficar sentado sobre seu trono? Por que ele passou de uma vida impressionante e Real a uma vida escondida e rústica? Por que ele encontrou mais alegria em cultivar plantas do que em reger povos? E, para dizer em poucas palavras, por que ele trocou seu Cetro por uma enxada? Por que, tornando inútil a pompa de seu Palácio e desocupado o seu ouro, ele se dedicou mais à arte de trabalhar o couro? Ele arrancou todas as forças de sua cobiça para gozar das doçuras da dominação soberana; ele abandonou a cobiça inteiramente para possuir suas grandezas e suas riquezas, ou seja, para possuir a esperança da felicidade que elas prometem, felicidade essa que, para dizer bem a verdade, é quase o único bem que elas produzem, visto que ela é enganadora e vã, apesar de se fazer parecer bela e infalível e prometer coisas que não é capaz de dar. Este Príncipe, tendo deixado o caminho aberto para os seus desejos, quando eles tinha a Realeza como objeto, restringiu, em seguida, seu acesso e os confinou em estreitos limites, para poder saborear o prazer da cultura e o de talhar imagens, para se exercitar na arte do jardineiro e na do escultor. Para vós, de onde pode vir o fato de esse ilustre Romano que a necessidade pública tirou do arado para colocá-lo na Ditadura, não ter querido aceitar o cargo por mais de um ano [no original latino, o texto faz referência a Titus Quinctius Pennus Cincinnatus – Tito Quincio Peno Cincinato, que foi cônsul em 431 a.C. e nomeado ditador no ano 430 a.C., permanecendo apenas até 428 a.C. Não encontramos mais dados sobre sua biografia além dessas; ndt]? Como ele entendia bem da arte de usar sua Vontade, ele só lhe deu a extensão necessária para abraçar as funções desse cargo. E tendo sido absolvido de um dever ingrato – pela impiedade que seria recusar um serviço à sua pátria –, ele soube muito bem, depois, se reduzir à mediocridade de sua vida privada e voltou aos campos. Também foi assim onde acabou com honra a ambição do grande Africano [no original latino, assim como na tradução francesa e na italiana, não há referência específica acerca desse Africano. Assim diz o texto latino: “Ibidem Africani ambitio desivit: inglorio tunc quievit tuta gloria laborum: ille in merendis honoribus praemia duxit, labores in recusandis”; ndt], que assegurou toda a glória de suas atividades passadas não querendo mais se empregar em nada. Sua virtude foi igual tanto no merecer quanto no recusar as honras, e não foi maior do que quando ela se escondeu sob sua modéstia. Ele acreditou mais suficiente  as possuir, do que deixar de se tornar digno. A Grandeza, a Majestade mesma, foi lhe oferecer o trono; ela se desproveu de todo o seu brilho, ela abandonou todas as suas vantagens para comunicá-las a ele; ela o teria procurado se não acreditasse que seria rejeitada. A Fortuna reconheceu, com tristeza, que tudo aquilo que ela tem de mais eminente era inferior a um tão grande mérito. Não é bastante justificar que esse homem é verdadeiramente digno de honras, lembrando que as honras mesmas parecem não se estimar dignas? Certamente, agiu nesses grandes homens uma soberana sabedoria, que deverá servir de exemplo, para sempre, àqueles que podemos nomear os amantes e os favoritos da Fortuna. Qual exemplo? O de descer voluntariamente do lugar para onde ela [a Fortuna; ndt] os levou; o de evitar, dessa forma, a infalível tristeza a que a maior parte daqueles que ela eleva acabam chegando, de ser vergonhosamente lançados por terra e cair em um precipício. Nesse ponto, a felicidade desses homens foi não se deixarem vencer pela sua felicidade mesma. Sem dúvida, é um ato de alta virtude não correr atrás dos bens e de outras vantagens da Fortuna, saber se defender de seus favores e de suas carícias; fugir dela quando ela vem em nossa direção; lhe virar as costas quando ela nos mostra seu rosto; rechaçá-la  constantemente quando ela nos quer abraçar. É preciso expulsá-la e bani-la; e se não temos força suficiente e resolução bastante para isso, se não está em nosso poder considerá-la como um inimiga, é preciso, pelo menos, ser indiferente a ela e não ter nenhum comércio com ela. Não há nada que o comum dos homens estima mais e deseja mais fortemente do que as grandezas e a Realeza; mas não há nada do que os sábios fujam mais e mais frequentemente ensinam fugir do que disso. Pensemos em por que Sólon [Sólon (638 a.C. – 558 a.C) foi um poeta, reformador, jurista e legislador ateniense, conhecido como um dos Sete Sábios da Grécia – Cleóbulo de Lindos, Sólon de Atenas, Quilôn de Esparta, Bias de Priene, Tales de Mileto, Pítaco de Mitilene e Periandro de Corinto; ndt] recusou se assentar no trono. Ele não ignorava o quão bom seria ocupar esse lugar, mas sem dúvida ele sabia também que não nenhum degrau do qual não se possa descer, ele sabia que a queda, ordinariamente, é mortal; ele não foi nem tentado nem cegado pelo esplendor de uma condição eminente; ele preferia mais uma condição medíocre porque ela seria mais conveniente, além de mais segura. Será que não ouvimos falar de Audêncio [não encontramos referência a esse personagem; ndt] que também não quis ser Rei? Sua vontade foi restringida, por assim dizer; sua cobiça foi restringida. Mas, o que diríamos do Imperador Severo [Lúcio Septímio Severo (143-211) foi Imperador romano entre os anos 193 e 211, e foi o primeiro cidadão sem ascendentes romanos a atingir o trono do Império Romano. Quando de sua morte, foi proclamado Divus pelo Senado romano, o que significa que passou a ser cultuado como deus. Foi muito popular entre o povo por ter conseguido conter a corrupção do período de Cômodo, Imperador entre 180 e 192; ndt] que duvidou se deveria ou não ter nascido ou morrido, visto que sua vida foi ao mesmo tempo perniciosa e útil? De onde vem que, estando repleto de bens, adorado por seus aduladores, acariciado pela Fortuna, estando na fonte mesma das delícias, ele tenha sido tão sóbrio a ponto de viver apenas de legumes e tenha tornado esse alimento tão natural a ponto que todos os outros alimentos lhe parecessem estranhos e perigosos, a ponto tal que mesmo a carne lhe parecesse um veneno e tenha mesmo servido para o desígnio de sua morte? Onde procuraremos a causa dessa austeridade tão maravilhosa? Tão somente na moderação de sua Vontade; e seguramente não há outra coisa que tenha tornado Antístenes [Antístenes (445 a.C. – 365 a.C.) foi um filósofo grego, pupilo de Sócrates, que adotou e desenvolveu a ética de seu mestre, insistindo sobre a necessidade de se viver uma vida ascética e de acordo com a virtude; ndt] e Zenão, o Cínico [Zenão de Cítio (334 a.C. – 262 a.C.) foi um filósofo grego, fundador da escola estóica, baseada nas ideias dos cínicos que enfatizavam a bondade e a paz de espírito, conquistadas por uma vida de virtude e de acordo com as leis da natureza; ndt] satisfeitos e felizes, na maneira de viver rigorosamente a mais dura e a mais cruel miséria.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 127-131.

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