terça-feira, 24 de agosto de 2010

Terceira máxima - Capítulo IV

CAPÍTULO QUARTO
Portanto, pode se encontrar fora de nós qualquer coisa capaz de nos agradar inocentemente e nos servir para nossa alegria. Mas a Fortuna, que muda sem cessar, que não tem sossego, e que, por assim dizer, é mesmo inconstante, só tem de constante a própria inconstância, e por isso não muda em nada. É isso que podemos, seguramente, amar nas coisas, não tanto nos ligando a elas, mas tendo algum tipo de comunicação com elas, a fim de nos instruir acerca da firmeza com a fragilidade delas e usar seu defeito em nosso proveito. Há diferença entre aquilo que se liga a uma roda e aquilo que simplesmente está perto de uma roda. Ela gira sobre lama e pedregulhos; mas ela não é capaz de carrega pedregulhos, que são sólidos e pesados, da mesma forma que ela carrega lama, que é mole e leve. Que isso seja, para nós, uma lição para aquilo que deveremos fazer nesse encontro, e nos ensine de que maneira devemos nos portar em relação à Fortuna. Podemos vê-la correndo, mas guardemo-nos de segui-la. É preciso considerar  seus movimentos, mas não se deixar levar por eles. Haveria, eu vos pergunto, algo de mais vil e mais digno de nosso desprezo do que o instrumento de sua inconstância? É uma roda que gira sempre sobre a terra e que, por essa razão, nunca está livre de sujeira. Além do mais, quem não sabia que ela serve também para impor uma forma infame e cruel de suplício? A violência com a qual ela exerce seu império nos dá motivo suficiente para nos surpreendermos. É como se fez de um sexo a quem a doçura é tão própria e natural. Não tenhamos escrúpulos de dizer que, não tendo qualidades louváveis, ela tem imperfeições, é extremamente desigual, pronta, colérica, terrível; mas com isso, frágil e impotente; sobretudo quando resistimos a ela vigorosamente e se lhe opõe uma coragem viril; porque, então, ela cede, ela se submete, ela se deixa ver realmente mulher; mais do que quando nós nos submetemos a ela, quando nos deixamos ligar à sua roda. Não devemos achar estranho que sintamos uma dor extrema, já que ela nos faz sofrer os mais rigorosos e mais insuportáveis de todos os tormentos.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 174-175.

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