terça-feira, 17 de agosto de 2010

Quinto prelúdio - Capítulo VII

CAPÍTULO SÉTIMO
Passaremos aqui sob silêncio por esses grandes luminares da fé, esses Anjos mortais, esses divinos Gênios, que se contentando com pouco, foram soberanamente contentes, que vivendo de tão pouco pareciam viver apenas do espírito, que nada possuindo possuíam o que vale todos os bens e todas as vantagens do mundo, a Paz e a Alegria [o tradutor uniu dois capítulos do texto original latino em um só, resumindo o capítulo sétimo nessa primeira frase daquele que seria o capítulo oitavo do texto original de Juan Eusébio Nieremberg. Nesse capítulo sétimo, o autor se refere basicamente ao jesuíta Francisco Lúpio, de quem não encontramos nada a respeito; ndt]. Eles foram plenos de Deus. Qual o motivo de espanto que, tendo um anfitrião tão grande entre eles e que se ocupava deles inteiramente, nada restasse de vazio e não houvesse espaço para abrigar as coisas? Reduziremo-nos, portanto, àqueles que não tendo essa rara vantagem, que não agindo por uma causa tão nobre, mas apenas por seus movimentos da razão, souberam tão bem acomodar sua vontade a ponto de ela se conservar sã e pura de tudo aquilo que excita a cobiça, e se manteve firme e inviolável a todas as coisas capazes de desordená-la. Sem dúvida, não teríamos inimigos mais perigoso do que os apetites desordenados; eles estão em nós como animais selvagens e cruéis prontos para nos destruírem, a quem nós damos a vida para nos destruir e a quem nós devemos infalivelmente a escravidão se não tomamos o cuidado de os manter rigorosamente sob as rédeas. Pensemos, de uma vez por todas, que a Vontade nunca é tão infeliz que quando não tem nada que a ocupe, que quando ela não se encontra em sua plenitude ou se encontra plena apenas de cobiça; que quando os desejos tomam o lugar daquilo que verdadeiramente a deveria preencher. Eles a estragam da mesma maneira que o cupim estraga a madeira; eles a fazem se entreabrir, eles criam, por assim dizer, fendas e rachaduras, eles dividem nosso espírito e é disso que procedem nossas dificuldades. A mesma dor que o corpo sofre quando é cortado, nosso coração ressente diante de tudo aquilo que o parte e que, continuamente, o separa. Assim como a fome procede do estômago vazio, a cobiça, que é como uma fome, como uma avidez que temos pelas coisas, vem da inanição da Vontade. O estômago nos incomoda até ao ponto de ser satisfeito, a Vontade nos atormenta até que esteja plena. Um acidente de nada frequentemente causou a perda de uma tão grande coisa. Basta uma gota de vinagre para estragar um barril de excelente vinho; a malignidade de nossa cobiça é tão grande que ela pode atrapalhar nossa felicidade a partir de sua fonte, pelos mínimos desejos que ela nos suscita. Assim como a mínima fenda que se encontre em um vaso de água é capaz de esvaziá-lo inteiramente, por mais que nossa Vontade seja cheia de alegria ela [a cobiça; ndt] a desperdiça e a faz se perder por menor que seja a abertura que a cobiça crie. Não há nada que escape ais facilmente do que a alegria; por pouco que ela saia de nosso coração, tão logo a miséria entra em seu lugar. Se algo falta à Vontade daquilo que ela tem, quando ela tem o mundo inteiro, seguramente seremos miseráveis. Para sermos felizes é preciso ou tudo possuir ou tudo desprezar; o primeiro é extremamente difícil, o outro é extremamente fácil. Nós encontraremos a felicidade muito mais rapidamente através desse caminho que pelo primeiro; nós a obteremos infalivelmente e chegaremos a ela sem nenhuma dificuldade.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 131-133.

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