segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Segunda máxima - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO PRIMEIRO
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SEGUNDA MÁXIMA
QUE é preciso nada esperar e nada temer

CAPÍTULO PRIMEIRO
Sendo que estamos suficientemente instruídos quanto ao meio infalível para estabelecer firmemente nossa alegria, e estando de posse dos primeiros fundamentos sobre os quais se deve edificar a nossa felicidade, deveremos nos dedicar, em seguida, a conduzi-la à perfeição, falta-nos levá-la à sua satisfação. Para isso, ajustaremos à máxima que nos protege de estender nossa vontade para além de nosso poder, a máxima segundo a qual, para sermos verdadeiramente felizes, devemos nos esvaziar de esperança e temor. Essas são, sem dúvida, as duas paixões que nos possuem com mais poder, e que nos dão menos descanso. Ora, o segredo excelente e raro para nos defendermos da inquietude e dos cuidados perpétuos que essas paixões nos suscitam é fazer uma escolha bem clara, um discernimento bem exato, daquilo que nos pertence e daquilo que não nos diz respeito de forma alguma: é preciso reconhecer cuidadosamente quais são os verdadeiros bens, os que merecem que liguemos nosso coração inteiramente a eles; separá-los das coisas que pertencem à Fortuna, aquelas coisas que são seus brinquedos ou que ela emprega para a nossa ruína. Assim, não cometeremos nem a impiedade de nos queixarmos de Deus, nem a injustiça de acusar os homens; não imputaremos nem a Ele, nem a eles, a causa dos males de que apenas nós somos culpáveis. Assim, estará em nosso inteiro poder não ser jamais nem tristes nem infelizes. Será possível desejar uma felicidade mais perfeita? Como há vários níveis de infelicidade, coloco no primeiro nível, aquele cuja a infelicidade vem do fato de algo acontecer contra o desejo; mas coloco no último, coloca no mais alto nível, aquele cuja a infelicidade vem do fato de que a espera é frustrada. Para dizer mais claramente, aqueles que temem simplesmente são infelizes; mas aqueles que esperam são absolutamente miseráveis. Sem dúvida, não seremos nem um, nem outro, nos esquivaremos de forma muito feliz de todas as finezas da Fortuna, se nos resolvermos a desejar apenas as coisas que podemos ter como nossas, a não desejar aquelas coisas que só podem vir dela [da Fortuna; ndt] e que é seu único poder. Certamente, qualquer um que tenha banido de seu espírito essas duas violentas causas da ruína de nosso repouso, qualquer um que tenha se desfeito, que tenha se purificado dessas duas paixões, pode se gloriar do fato de se ter feito um asilo inviolável contra todos os esforços da Fortuna. Nesse estado, certamente poderemos dizer que conseguimos uma inteira vitória sobre um inimigo igualmente poderoso e pertinaz, que não apenas é forte por causa de sua própria força como também o é por causa de nossa fragilidade. E tão logo levarmos em consideração as coisas que ela emprega para combater contra nós, descobriremos, surpresos, que ela as retirou todas de nossas próprias mãos, que fomos nós que lhe fornecemos todas as máquinas e todas as armas que ela usa para guerrear contra nós. Por que temos tanto medo do vão furor dos Tiranos? Disse sabiamente um Filósofo da antiquidade [no original latino, Nieremberg não cita o autor. Será preciso, posteriormente, investigar de quem é a citação que se segue; ndt]. Eles só são perigosos quando pensamos que sejam e os tememos. Não tenhamos nem esperança nem temor, e eles não terão nem poder nem força. Mas, se nos deixamos dominar por uma ou outra dessas paixões, para não dizer por ambas, eles se tornam muito poderosos; nós os fortalecemos e lhes damos as armas que serão usadas contra nós mesmos; não haverá salvação para nós; fabricaremos com nossas próprias mãos as correntes que nos prenderão e nos tornarão servos [O original latino cita a seguinte frase: "Quid tanium miseri feros tyrannos / Mirantur, sine viribus furentes? / Nec speres aliquid, nec extimescas: / Exarmaveris impotentis iram. / At, quisquis trepidus pavet, vel optat, / Quod non su stabilae, sutque iuris, / A iecit clypem, locoque motus / Nec ut, qua valle it trahe, catenam". Porém, o texto não está bastante nítido. Na sequência dessa citação, Nieremberg se refere a São Paulino de Nola, citando um trecho que, no texto que possuímos, não se encontra suficientemente claro para ser transcrito. Parece que a citação anterior pode ser atribuída ao próprio São Paulino, no entanto, visto que o Louys Videl trata a citação como sendo de um "Filósofo da antiquidade" e o texto latino não refere nada acerca do autor da citação, temos dúvidas de que se trate realmente desse autor; ndt]. Não haverá baluarte mais firme do que esse: não ser possuído nem de esperança nem de temor. Isso é como possuir altamente a paz e a alegria. Não nos coloquemos mais em busca da felicidade; não cuidemos mais de querer saber onde ela se encontra; nós já a encontramos – ela está dentro de nós. Saberemos disso quando nos livrarmos das mãos desses Tiranos cruéis que mantêm nossa alma num contínuo mal-estar, que lhe fazem sofrer um perpétuo suplício, seja por causa do insaciável ardor de adquirir, seja por causa de um miserável temor de perder.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 160-162.

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