quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Primeira máxima - Capítulo III

CAPÍTULO TERCEIRO
O que, portanto, devemos escolher? Este excelente meio de nos preencher através do jejum? Ou esta infeliz plenitude que ao invés de acalmar nossa fome, a irrita ainda mais fortemente e nos deixa eternamente vazios, que ao invés de nos satisfazer e nos trazer alegria, nos causa mal-estar e nos traz apenas a dor? Se é possível matar nossa sede com uma gota de água, qual é a necessidade que temos do Oceano? Se nos satisfazemos abstendo-nos, por que desejamos ficar cheios? Visto que, por esse meio, caímos em um ou outro desses inconvenientes: ter um desgosto ou aumentar nossa fome. O ardor e a avidez de nossa cobiça é tão grande que nada é suficiente: quanto mais a nutrimos, tanto menos ela se embriaga. Observou-se que aqueles que comem uma ovelha mordida por um lobo sentem uma fome contínua. Quem pensa se satisfazer com as riquezas, as honras e todo o resto das coisas que estão sujeitas a se perder pelas mordidas da Fortuna, sofrem de um mal ainda mais infalível: podemos muito bem estar cheios, mas não conseguiremos ser satisfeitos. O Imperador Frederico, terceiro com esse nome [Frederico Barbarossa (1122-1190) foi o Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, foi Rei da Itália e, sob o nome de Frederico III, foi o Duque da Suábia, pois sucedeu a seu pai, Frederico II da Suábia, no ducado dessa região administrativa da Baviera, cuja capital é Augsburgo; ndt], tendo concedido muitas coisas a um impostor que, porém, não cessava de importuná-lo e o pressionava sem parar a conceder outras coisas, lhe disse com boa vontade, se tu não puseres fim a estes pedidos, começarei a oferecer-te minhas recusas. Que cada um de nós guarde fielmente essas palavras, visto que elas podem manter-nos longe da vergonha e sem temor de repreensões. Este é o único meio de impor um limite a nossa cobiça. É por esse caminho que conseguimos pará-la, e conseguimos obstaculizá-la. E certamente se não nos livrarmos dela por meio de uma recusa absoluta, não conseguiremos nos livrar de outra maneira, pois ela nos incomodará incessantemente. Podemos, sem dúvida, receber muito mais de nós mesmos do que da Fortuna; e, por meio de uma nova e rara maneira de liberalidade, daremos a nós mesmos muito mais nos recusando todas as coisas do que se ela [a Fortuna; ndt] no-las concedesse todas. Não podemos bem julgar o valor de um homem apenas por aquilo que ele possui – assim como, diante de um árvore estéril, só podemos avaliar o estado da madeira –, mas devemos tomá-lo a partir de suas boas ações e ainda mais pelas coisas que ele não tem quando ele não as tem por vontade própria. Está aqui a melhor forma de avaliar alguém. Podemos ter pouco, mas não podemos ter tudo. Não acreditemos, por isso, ter pouco valor; pelo contrário, asseguremo-nos de que é ter mais valor desprezar todas as coisas e não desejar nenhuma.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 139-140.

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