CAPÍTULO QUINTO
Pode ser que nós nos creríamos soberanamente felizes se nossos desejos fossem realizados tão logo fossem concebidos; se não fizéssemos pedidos inúteis; se todos os nossos desígnios fossem seguidos de um sucesso favorável; e para tudo dizer em poucas palavras, se nosso poder se estendesse tanto quanto nossa cobiça, nós tomaríamos isso, talvez, por uma felicidade suprema. Saibamos, porém, que esta felicidade seria extremamente imperfeita, visto que, fazendo-nos receber novos bens a todo momento, ela excitaria sem cessar nossa cobiça. Ao invés de nos dar repouso e de causar o efeito que lhe é próprio, ela seria o contrário, ela manteria nosso espírito numa perpétua inquietude e não nos daria descanso, ela se chamaria muito mais uma miséria do que uma felicidade. Nossa cobiça se dirige para muito distante, ela visa a objetos tão diversos que seria incapaz de alcançar a todos. Seria impossível para nós satisfazer à sua grandeza, à multidão de nossos desejos. No entanto, acreditamos que está em nosso poder conseguir, abusamos da esperança de encontrar um fim naquilo que não tem, visto que é incapaz de crescer até ao infinito; ao invés de procurar a infinitude, que, por excelência de sua natureza, não pode crescer; ao invés de procurar a Deus, que deve ser a meta e o termo de todos os nossos desejos, e em quem se encontra a plenitude e a satisfação de todos os bens, uma inteira e perfeita quietude. Ora, é a isso que o homem pode chegar, se não pela prerrogativa da natureza divina, pelo menos pela grandeza e pela força de sua virtude; ele pode, de tal sorte, limitar e regrar seus desejos, de forma que eles não cresçam e permaneçam parados e fixos como em um ponto; ele pode chegar, por sua moderação, aonde seu poder não seria capaz de chegar; e como não há dúvida de que a alegria não está nas coisas a não ser que elas se ajustem à Vontade e que elas estejam unidas a ela, consequentemente é infalível que, seja lá do que ela estiver cheia, ela encontra nisso sua inteira satisfação, ela goza de um perfeito repouso, tanto na pena quanto no prazer, um e outro a preenchem igualmente, como um vaso de preenche tanto com um licor amargo e desegradável, quanto com um licor saboroso e doce; ela não tem escolha, tudo o que a ocupa a contenta, ela se acomoda às mínimas coisas e, para as abraçar e se unir a elas, ela se encurta da mesma maneira que fez Eliseu sobre o filho da viúva [se refere ao episódio narrado no segundo livro de Reis, capítulo 4, quando o profeta Eliseu ressuscita o filho da viúva sunamita, aquecendo o seu corpo e rezando por ele; ndt]. Ela não quer nada acima do que ela tem ou pode ter; seja aborrecimento, seja dor, seja qualquer coisa mais dura ainda. Sem dúvida, o trabalho não é nada exasperante para quem o sofre voluntariamente, mas para quem não o quer sofrer. Que não parece nada estranho se dizemos que as coisas importunas e desagradáveis podem, assim como as mais doces e mais encantadoras, contentar a Vontade e que elas são capazes de fazer sua alegria; ela pode encontrá-la na amargura e na miséria; quem quer que seja que esteja satisfeito com sua tristeza não é de forma alguma infeliz; e não é nada contra a razão acreditar que seja feliz aquele que é infeliz se ele o quer ser. Não é pela opinião de outros, mas pelo nosso próprio sentimento que se estabelece nossa Alegria. Quem é mais contente que aquele a quem as coisas chegam como ele as desejou? Foi por essa razão que esses generosos Romanos Fábio, Regulo e Camilo não sentiam nenhum incomodo diante de sua pobreza [não encontramos nenhuma referência a estes três romanos; ndt], foi por isso que eles a suportaram não somente sem dificuldade, mas com alegria. Quem impede o pobre de ser satisfeito, se ele quer ser pobre? E aquele que recusa as honras pode ser infeliz? Porque nada possuem, todos os dois têm aquilo que querem. Está aqui o princípio e o fundamento da Alegria. Os desejos expandem e dilatam a Vontade, removem sua proporção natural. Assim, quando a miséria mesma fizer sua plenitude, ela fará sua felicidade, visto que é certo que ela se satisfaz e fica feliz com qualquer coisa que a preencher.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 125-127.
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