quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Primeiro meio - Capítulo XXXIII

CAPÍTULO TRIGÉSIMO TERCEIRO
A Paciência tem, portanto, esses dois raros e divinos efeitos: diminuir os males do corpo e aumentar os bens do espírito ou, para dizer melhor, ela só produz um único efeito que é o de transformar os males em bens. Assim, certamente por causa disso, ela foi chamada muito propriamente por são Gregório Nazianzeno, a digestão dos inimigos. Eu vos peço que consideremos a conformidade de suas operações com as do calor natural: assim como o calor vivifica as coisas mortas, e torna suas aquelas coisas que são estranhas, convertendo-as em sua substância, fazendo-as servirem ao seu sustento, também a Paciência transforma na substância da Virtude tudo aquilo que há de difícil e de estranho. Os Lupinos, espécie de legume, por si muito amargos, tendo sido fervidos na água, não só ficam adocicados, como também servem de alimento. Assim, as calamidades se temperam através da Paciência e, perdendo sua aspereza e sua amargura, se tornam alimento para a Virtude. Sai, das chagas do corpo, uma luz divina que ilumina o espírito, assim como de uma pedra batida pelo ferro saem faíscas de fogo. Tanto menos o espírito se ligar ao corpo e parar sobre os objetos sensíveis e materiais, tanto mais ele se torna capaz de entender os conselhos da Razão, tanto mais ele progride na ciência das coisas do Céu e no conhecimento de si mesmo, tanto mais ele recebe, pelas chagas – como se fossem fendas e aberturas numa prisão – os raios que o iluminam; e podemos mesmo dizer que as feridas são como janelas através das quais ele olha para o Céu. Mas, não está aí ainda a maior de todas as obras da Paciência – não é apenas a capacidade de converter em vantagem própria as calamidades –, não está nisso sua mais alta e excelente operação. Ela muda a morte mesma em Vida; ela é capaz de digerir a mais dura de todas as coisas. Depois de ter experimentado em Abel, ela tirou a prova na pessoa de JESUS CRISTO; de maneira que não é preciso mais tomar como um paradoxo a palavra de Pirro [trata-se de Pirro de Élis (c. 360 a.C. – c. 270 a.C.), filósofo grego considerado o primeiro pensador cético e fundador do chamado Pirronismo, tradição de pensamento que tem na máxima “nada pode ser conhecido, nem mesmo isto” a sua fundação; ndt], segundo a qual não há nenhuma diferença entre a vida e a morte; e não precisamos mais tomar como um jogo do espírito estas palavras de Eurípedes: quem sabe se não seria não viver isso a que chamamos morrer? Certamente a constância com a qual os justos sofrem a morte tem o poder de fazer dela uma vida.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 274-275.

Nenhum comentário:

Postar um comentário