sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Quinto meio - Capítulo V

CAPÍTULO V
Ora, aquela que mais o agita e que, sem dúvida, mais lhe excita o maior tumulto é esse insaciável apetite de honra, esse ardente desejo de glória, este abismo que nada pode preencher; a ambição que, não podendo sofrer nem freios nem limites, resiste sem cessar à Razão, é absolutamente incapaz de sujeição e retenção. Não é apenas ela que domina nosso espírito com mais Império, mas é aquela que mais se liga a ele com obstinação. A última de que ele consegue se desfazer e que só se separa dele quando ele se separa de nós. Ela imita bem a Virtude, abaixando as outra virtudes; mas é para conseguir, com isso, se elevar o suficiente e poder reinar sozinha. Ela tem por objetivo exclusivamente o seu próprio proveito e só se propõe aquilo que é de seu interesse. Tudo o que ela faz além disso é suspender, por um tempo, sua ação; e disso nos chegam esses dois males: reprimindo-os, ela os faz entrar mais profundamente em nosso espírito, ela os encerra dentro ao invés de tirá-los de dentro; e reduzindo-os ao menor dos espaços, ela cresce em toda a sua extensão. Ela os mantém presos; ela impede que eles se evidenciem. Assim, o luxurioso que se abstém da luxúria mais por temor da condenação do que por amor e reverência pela Virtude, não deixa de ser impuro; e por mais que ele não suje o seu corpo, ele suja seu espírito e se polui pelo pensamento. Com isso, esta paixão arrogante e insolente não trata a si mesmo melhor do que trata as outras; porque, frequentemente, ela se abaixa, ela se dobra em si mesma, mas para poder se elevar ainda mais alto; e, como um arco curvado, aumenta ainda mais a sua força. Se acontece, às vezes, que ela se humilhe e se faça pequena; se, por uma severidade fingida, ela se diminui e, por assim dizer, ela corta sua própria cabeça; dessa diminuição, ela tira matéria para o próprio crescimento, ela deixa nascerem outras cabeças da mesma forma que a Hidra; ela as multiplica infinitamente. Assim, o que pensamos que possa ser evitar um vício através de outro? Isso é arruinar o antigo para tornar o novo mais poderoso. Não é jogar fora o veneno, mas mudá-lo de vaso; porém, assim, ele não muda de qualidade, ele não deixa de ser perigoso porque está numa taça de ouro ao invés de num copo de vidro. Importa pouco se nossa cobiça está ligada aos bens, às honras ou ao resto das coisas que têm algum brilho mas que são frágeis como o vidro. Seja qual for o objeto a que ela aspira, ela sempre nos causará inquietude, ela sempre nos causará sofrimento. Há muita diferença entre abandonar nossas paixões e apenas mudar de paixão. Que sejamos avaros ou ambiciosos, sempre formaremos desejos, sempre desejaremos, sempre teremos cobiça. Ora, isso é suficiente para que a Fortuna tenha controle sobre nós; não é preciso mais do que isso para que sejamos infelizes.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 327-329.

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