quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Quinto meio - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO SEGUNDO
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MEIOS infalíveis para adquirir a felicidade.
QUINTO MEIO
QUE não devemos nos curar de uma paixão com outra

CAPÍTULO PRIMEIRO
Portanto, considerando a extrema desordem para a qual nos levam as paixões, visto a violenta perturbação que elas excitam em nosso espírito, é preciso, muito seriamente, tomarmos a resolução de bani-las de espírito, e que exerçamos esse rigor de forma geral sobre todas as paixões; não deve haver, nisso, nem reservas nem exceções; e nos é necessário, sobretudo, tomar bastante cuidado de não cairmos no inconveniente de nos servir de umas para nos livrarmos de outras. O perigo de fazer uso delas é suficientemente verificado pelo exemplo do jovem homem de que fala um antigo Poeta: ele se curou verdadeiramente da cobiça, mas abandonando-se à cólera [no original latino aparece: “Adolescens Terentianus flammas Cupidinis iracundia domuit”. Trata-se do poeta e dramaturgo romano, que faleceu muito jovem, Públio Terêncio Afer (c. 184 a.C. – 160 a.C.); ndt]. Em outro lugar se afirma que ele apagou sua avareza através de sua ambição. Assim como a potência das virtudes é unida, o império dos vícios é dividido; sua malignidade natural é tão grande e cada um deles é tão pernicioso e estrangeiro, que eles não conseguem entrar em acordo e guerreiam entre si incessantemente. Esta é uma verdade cujas provas nós não devemos procurar fora de nós. Nossos vícios não se compadecem com os vícios dos outros. Aquilo que suportamos e amamos em nossa pessoa torna-se odioso, para nós, é insuportável nos outros; e os menores não são melhores do que os maiores. Os orgulhosos se ofendem e se odeiam ordinariamente e não é porque tenham ódio pelo orgulho, mas porque cada um deles é ciumento de seu próprio orgulho e pensa que sua luz é ofuscada por aquela dos outros. Assim, não é de forma alguma por zelo que tenhamos pela Virtude que somos inimigos do vício. É, muito frequentemente, pelo amor que temos pelo vício mesmo; mas o ódio pelo mal não é legítimo se não proceder do amor pelo bem. Não empregar a Virtude para a ruína do vício é não merecê-la, é só correr o risco de sucumbir ao vício mesmo; servir-se de um vício para vencer outro é se entregar como presa àquele que permanece vitorioso. Eu vos peço: consideremos um pouco o eminente perigo ao qual nos expomos. Pensamos estar nos livrando de uma multidão de Tiranos através do esforço de um Tirano mais poderoso que nos chamamos para dentro de nós. Ele faz o que pensávamos que faria – verdadeiramente, ele nos livra [dos Tiranos. ndt], domando-os e colocando-os entre correntes –, mas ele nos prende junto e se torna o único mestre de nosso espírito. Ele se apodera de nós com a potência que todos os demais, juntos, tinham.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 321-322.

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