terça-feira, 21 de dezembro de 2010

III Tópico sobre o uso da opinião - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
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TÓPICO PRECEITUAL SOBRE O USO DA OPINIÃO
TERCEIRO LUGAR
DOS fins

CAPÍTULO PRIMEIRO
Outro meio de que podemos nos servir de forma muito útil da Opinião é considerando o fim e o desenrolar das coisas; estando certo que é nisso que seu disfarce vai embora, que elas não terão mais maquiagem ou máscara, e que elas nos farão conhecer verdadeiramente quem elas são. A Vara que Moisés recebeu da mão de Deus, e que pode ser chamada a missão para com o povo de Israel, tendo sido transformada numa horrível serpente, causou medo no povo e ele fugiu; mas quando Moisés a pegou pela cauda, ela perdeu sua estranha forma e voltou a ser aquilo que era, e voltou a ser uma Vara como antes. Muitas coisas que nos são salutares nos assustam sob uma aparência terrível; e outras coisas que não são perniciosas nos atraem sob uma aparência agradável. Ora, para não encontrarmos nisso motivo de descontentamento, não devemos parar naquilo que se nos aparece de imediato; elas são outras, sem dúvida, no seu advento e quando acontecem; e não seremos capazes de formar um julgamento seguro se não as considerarmos o final. Ouvimos, muito frequentemente, dizer que, no mundo, tudo o que há e que é tido como mais precioso, e sobre o que os homens estabelecem seu soberano bem, com tanto mais infelicidade quanto mais cegueira têm, as honras, as riquezas, as volúpias, não têm nem duração nem firmeza, elas passam como a sombra e se desvanecem com a fumaça. De onde é que pensamos que se pode tirar este conhecimento? Das provas que vemos em todo momento, da experiência ordinária que mostra que elas se reduzem ao nada. Disso, temos motivo para crer que elas não são nada e, mais verdadeiramente ainda, que elas não são nada de bom; visto sempre nos causarem o mal, visto que, por uma ligeira doçura com a qual nos adulam no início, e por um pouco de prazer que nos dão no começo, elas depois nos enchem de dor e de amargura; semelhantes que são àquele inseto que carrega seu veneno na cauda [no original latino, Nieremberg escreve: “Scorpium venenantem non timebimus ex adulanti ore; sed a praepostero morfu”. Trata-se, portanto, do escorpião; ndt] que, primeiro, nos faz cócegas, mas depois nos pica e nos faz morrer. Na verdade, se examinarmos seriamente aquilo que elas nos fazem, se ao invés de deixarmos que elas nos violentem e, para dizer mais claramente, se ao invés de nos deixarmos enganar por seu brilho e sua aparência, considerássemos o quanto o interior é perigoso, tiraríamos disso a grande vantagem de não ter feito, por nós mesmos, esta miserável experiência, evitaríamos o arrependimento que permaneceria em nós. Porque, o que mais uma Volúpia de alguns momentos nos pode deixar além de um longo remorso e um dor pungente? Isso não é suficiente para nos excitar a nos defendermos delas e desprezá-las? E, ao invés, nos recusaremos a buscar a Virtude só porque suas abordagens são austeras e difíceis? Saibamos que, ao contrário das Volúpias, ela esconde uma extrema doçura sob uma aparência de severidade; saibamos que ela nos enche de contentamento e que somente ela é capaz de compor nossa felicidade. Se ainda nos resta algum raio de razão, prefiramos, sem dúvida, mais o ganho infalível que ela nos apresenta, do que o mal evidente que recebemos das outras [no texto latino, Nieremberg se extende um pouco mais do que seu tradutor, apresentado argumentos que têm como personagens o já citado Faláris (?-554 a.C.). tirano que instaurou o Touro de Perilo como instrumento de tortura e Pitágoras de Samos (c. 570 a.C. – c. 497 a.C.), o matemático e filósofo: “Prudenter itaque Phalaris scribit. Sapientis viri officium est, ante verba, rem ipsam; ante rem, diligentius quoque exitum considerare. Exitum voluptatum considera, poenitentiam, aut praecipitium. Quid? Exitum considera omnium secundam mundi ianuam, mortem. Audi, & hauri Samium monitum: Ne imprudenter teipsum habere circa aliquid assuescas; sed cognosce, quod mori fato constitutum est omnibus”; ndt].

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 458-460.

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