segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Primeiro preceito - Capítulo IV

CAPÍTULO IV
Se a razão não nos comove o suficiente para que a abracemos, se nós não ficamos suficientemente seguros com ela e não temos crença suficiente para fazer dela nossa guia; que, pelo menos, nós consideremos o extremo perigo que há no seguir a Opinião e que, ao menos, a incerteza evidente desta última nos leve a confiar na invariável firmeza da outra. Que nos lembremos de que a Opinião é um sonho perigoso de um homem que vela; e que ela nos causa a mesma pena, pelas impressões que ela nos dá, que os nossos pesadelos nos causam, através das ilusões e das quimeras que nos são colocadas dentro da imaginação. Ela, certamente, sempre foi criticada entre aqueles que se dedicaram ao estudo da sabedoria. Mas, aquele entre estes que a condenou mais altamente e que obteve o mais glorioso triunfo, foi Pirro, que, não se contentando apenas em acreditar que tudo aquilo que ela nos debita como mal não o é, e que não há mal algum nas coisas, além daquele que se imagina, justificou esta verdade através de si mesmo, tendo visto a si mesmo, com uma constância miraculosa, com os membros cortados e queimados, e não mudando em nada o rosto, não chegando mesmo a franzir o cenho. Que isso nos ensine o quão nos será de expediente acreditar que não há males; visto que, mesmo se os houver, não seremos capazes de nos enganar. E, pelo contrário, disso tiraremos uma vantagem considerável. Através disso, deceparemos a maior parte de nossa miséria, decepando a apreensão que a precede; porque, o que poderia temer aquele que não imagina nada que possa lhe causar sofrimento? Certamente, se estivéssemos livres do problema que os males que virão nos causam, seríamos isentos daquilo que eles têm de mais sensível e desagradável. A experiência comum verifica que sofremos muito menos, sem dúvida, no senti-los do que no esperá-los. Há homens rústicos e ávidos da boa carne, para quem a simples imaginação de uma carne deliciosa imprime de tal forma neles o gosto que, para dizer com o povo, a água lhes vem à boca. As crianças e os doentes rejeitam um remédio antes de lhe haverem sentido o sabor; eles têm como que a amargura do remédio em sua língua, quando o remédio ainda está em sua mão. De onde pode vir isso, eu vos pergunto? Seguramente, isso não é devido nem à carne nem ao remédio; mas se deve puramente à Opinião. É ela que causa em nós esta aversão ou este apetite; é ela que faz com que tenhamos esses falsos sentimentos acerca das coisas. Por isso, é preciso que nos resolvamos seriamente a nos desfazer dela [da Opinião; ndt], é preciso que nos curemos dessa persuasão que ela tem acerca do que é mal. E certamente, quando ele de fato existir e ele vier a nos enganar, pensemos que isso será uma grande felicidade, pois, através disso, nós os diminuiremos bastante e o descontentamento que por ventura vier só será suficiente para nos tirar das inquietudes e da pena.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 429-431.

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