segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

IV Tópico sobre o uso da opinião - Capítulo II

CAPÍTULO II
Experimentaremos também o quanto este remédio é excelente contra as diversas infelicidades de que formos acolhidos. Transportemo-nos em espírito um pouco para além do tempo em que elas nos tiverem chegado; imaginemos aquilo que, ordinariamente, acontece nesses encontros, que, por mais pesado que seja o flagelo que caia sobre nós, dois meses se passarão apenas para que nem mesmo nos lembremos mais, para que nossas chagas cicatrizem, para que nos acomodemos outra vez com a Fortuna e para que nos regozijemos como se nada nos tivesse acontecido. Quem nos impede, eu vos pergunto, de antecipar este tempo? E por que, já no presente, não nos colocamos nesses termos?  Se é certo que o tempo traz doenças desta natureza tão obstinada, indubitavelmente a Razão é ainda mais capaz de vencer, e devemos esperar ainda mais a nossa cura da firmeza e da constância desta última do que da desigualdade e das mudanças da outra. Assim como é nossa Opinião nos faz sofrer mais do que nosso próprio mal, certamente não há nada de mais fácil do que a corrigir. Arranquemos de nosso espírito esta causa fatal de nossas dores; os males que recebemos da Fortuna serão apenas muito pouco sensíveis. Um dos mais Sábios homens da Lacedemônia, estando num Templo, ocupado com a cerimônia dos Sacrifícios que, segundo a superstição do Paganismo, honravam suas falsas Divindades, foi informado da morte de seu filho [no original latino, Nieremberg escreve: “Pulvillus perinde contempsit recens nuntium defuncti filii...”. Trata-se de Marco Horácio Pulvilo (séc. IV a.C.), que foi um dos primeiros cônsules romanos do primeiro ano da República (509 a.C.). As fontes clássicas também mencionam Pulvilo como o cônsul que consagrou o templo de Júpiter, construído pelos últimos reis de Roma, no Capitólio; ndt]. Como ele sabia muito bem da importância da precaução que recomendamos – de antecipar o tempo em que nosso espírito, retornado da desordem na qual algum acidente sinistro o lançou, se recoloca na sua primeira posição, e volta à serenidade e à tranquilidade –, ele não se deixou tocar por esta novidade, como se ela lhe fosse indiferente ou como se ele já soubesse dela há muito tempo. Mas, como se esperavam dele as ordens sobre o que lhe fazer, tendo continuado as suas orações sem as interromper por um suspiro que fosse, nem dar qualquer sinal de tristeza, ele disse: enterrem-no onde julgardes mais a propósito; e não se emocionou nem um pouco. Sem dúvida, ele não ignorava que seu filho não era imortal; ele sabia o suficiente que ele não era feito de uma matéria mais forte do que a do resto dos homens. Ele o considerava como um vaso de barro que não causa preocupação a ninguém quando se quebra. E, da mesma forma que, quando o cerne se separa da concha, nós a jogamos fora, nós a desprezamos; assim também ele pensou que a alma, estando separada do corpo; que este estojo, por assim dizer, não tendo mais esta rica peça de onde ele tira todo o seu valor, importava muito pouco o que seria dele; ele não merecia que se dedicasse muito cuidado para com ele.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 462-464.

Nenhum comentário:

Postar um comentário