terça-feira, 30 de novembro de 2010

Terceira proposição - Capítulo VI

CAPÍTULO VI
Se não ousamos contradizer a multidão, se não somos corajosos o suficiente para condenar aquilo que ela [a multidão; ndt] aprova, pelo menos que sejamos capazes de vencer nosso escrúpulo através deste pensamento; que se nos enganarmos será muito felizmente e que encontraremos nossa segurança em nosso erro; se não tomarmos como males as coisas que o vulgo depreciou e que se tornou matéria para o nosso temor; estando certos de que anda que, com efeito, sejam males, devemos mesmo assim duvidar, de forma que tiraremos maior vantagem se nos persuadirmos de que verdadeiramente não o são. Mas, então, como os deveis considerar? Vós me perguntarieis. Diminuindo-os, sentindo-os apenas pela metade. Através disso, evitaremos os sofrimentos e as inquietudes de que eles são ordinariamente precedidos; ele só nos tocarão de leve; ao invés de atingir profundamente o nosso coração, eles só conseguirão tocá-lo de raspão, na superfície. Assim, só receberemos um ligeiro atentado; não os apressaremos e eles não chegarão tão cedo; como faz, ordinariamente, a apreensão que, não se contentando de aumentar sua força e redobrar sua violência, precipita sua vinda, tornando-os presentes para nós antes mesmo que eles o sejam e os faz existir quando eles ainda não são. Certamente, aquele que ela possui não será seguro em parte alguma; permanecendo como sempre é quando está consigo mesmo, trazendo em seu espírito a causa de todas as suas penas. Assim, a Opinião que temos sobre os males faz com que eles nos façam sofrer sem parar, e é muito em vão que pensamos em nos proteger de seus ataques fugindo. Não sabemos que seus ataques tem um longo alcance, que não há força ou velocidade igual à sua, que por mais habilidade e cuidado que tenhamos na fuga, não conseguiremos, que nos é absolutamente impossível nos defender deles? Pelo contrário, aquele que não se ocupa de seus ataques, não lhes dando atenção ou nenhuma vantagem sobre si, tem a consolação de vê-los partir tão logo os tenha visto chegar; e olhando-os de costas, ele consegue se confirmar nesta segurança que lhe diz que eles são mais assustadores de longe que de perto, e que tudo o que eles têm de mais terrível é seu rosto. Houve homens que se viram com um olho seco, sem emoção, sem sentir qualquer incômodo com o fato de lhes cortarem um membro; há os que ficam pasmos só de ver uma ferida ou o sangue de outra pessoa. Por mais que os povos tenham tido razão ao chamar de más as coisas pelas quais eles sentem horror – a pobreza, a dor, a ignomínia –, coisas que, porém, foram, para muitas pessoas, degraus para chegar à felicidade, e, para outras tantas pessoas, foram meios para praticar a Virtude, ser-nos-á extremamente útil suspender, quanto a isso, nossos sentimentos; imitando aquela seita de Filósofos que não acreditava em nada e que se dedicava a lançar dúvida sobre tudo [no original latino, Nieremberg escreve: “Quare, esti mala essent, paupertas, ignominia, labor, quae plures bonos fecerunt; sententiam tuam, more Sceptico, suspedender, non inutile foret”. Trata-se, portanto, da escola dos Céticos; ndt].

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 406-408.

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