segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Terceira proposição - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
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TERCEIRA PROPOSIÇÃO
QUE é da falsa estima que temos das coisas que nos vêm os males

CAPÍTULO PRIMEIRO
Mas, nós escutamos e seguimos esta perigosa Conselheira; nós nos dedicamos com tudo a nos tornarmos infelizes. Como se nossa ruína fosse nosso desígnio, nós a fazemos o objeto de todos os nossos cuidados; parece que só usamos a Razão para nos perverter; e parece que o verdadeiro uso de nossa luz seja nos levar para as trevas. De onde vem esta desordem? Será que é do fato de sermos prevenidos quanto às imposturas da Opinião? Ou será que é porque ela nos aconselha e nos guia? Vejamos um quadro raro e natural dos monstruosos efeitos que ela produz no espírito dos homens. Pensemos em Haman [ou Amã que, segundo o relato do livro de Esther, é filho de Amedata e foi elevado em dignidade por Assuero que, ao que tudo indica, é o rei persa Xerxes I (c. 519 a.C. – 466 a.C.); ndt] e no alto ponto de grandeza no qual a Fortuna o colocou na relação com Assuero; vejamos como ela parecia só ter honrarias e bens destinados a ele; como ela o obrigava constantemente, para fazer a ele, como é seu costume, um memorável exemplo de sua inconstância. Enfim, pensemos nele revestido de todas as vantagens que o favor dos grandes Príncipes adquire para aqueles que são elevados ao mesmo grau que eles. Não ficaríamos extremamente impressionados de nos darmos conta de que sua ambição só conhecia tudo isso por causa de muito pouca coisa; que ela não se satisfazia com os respeitos que lhe rendiam todo o povo; e que ela se afligia com a recusa que um simples particular fazia a ponto de dobrar os joelhos diante dele? De onde lhe viam uma tão extraordinária desordem, senão das ilusões da Opinião? E a que mais seria necessário relacionar uma tão estranha doença? Se durante o tempo em que ele era ainda uma pessoa qualquer, na mediocridade de sua primeira sorte, se lhe tivesse sido oferecida a menor parte das coisas cuja abundância e plenitude, agora, lhe causavam problemas; se ele tivesse tido a honra de se aproximar de seu Príncipe e receber a mais leve marca de sua benevolência; se ele tivesse tido a chance de se empregar perto de sua pessoa, ou recebesse qualquer outro favor que, nunca antes, ele pudesse ter pretendido; será que ele teria sido tão inábil, para não dizer tão extravagante, a ponto de não levar em consideração as reverências de Mardoqueu [segundo o relato bíblico, era tio de Esther e ocupou um lugar de destaque no governo de Assuero, após a morte de Amã; ndt], preferindo uma cerimônia vã e inútil às vantagens reais e sólidas? Será que sua alegria seria maior ao vê-lo prosternado diante dele do que a vê-lo elevado ao cume dos bens e das honras? Como é que ele mudou tanto? Quem teria arrancado de sua estima o preço e o brilho da grandeza, para lhe dar coisas abjetas e vis? Através de que novidade a ambição – que, ordinariamente, levanta os olhos em direção ao que é mais alto, e que só se excita com aquilo que a ultrapassa – se inquietaria com ele, com aquilo que estava tão acima dela? E como é que um Escravo, não o honrando absolutamente em nada, poderia imprimir algo em seu espírito, já cheio de glória por ser o objeto da adoração pública? Estão justamente aí as marcas da fragilidade de um Entendimento corrompido pela Opinião; esses são seus verdadeiros Sintomas. Como ela é infiel e enganadora; como ela muda e se fantasia em tudo aquilo que ela representa; ela, primeiramente, os vestiu de grandezas e de riquezas, os revestiu de uma aparência pomposa que o fascinou; e, em seguida, por uma mudança repentina, destruindo sua própria obra e a despojando dos ornamentos que ela lhe emprestou, ela os desnuda e lhes faz parecer um nada. Do abuso que o levou a acreditar que poderia encontrar sua satisfação nas coisas mais elevadas, ela o fez cair no erro de pensar que a poderia encontrar nas mais baixas. Assim, somos capazes de movimentos diversos e contrários. Estimamos falsamente as coisas, tanto quando as elevamos ao mais alto dos céus, como quando as abaixamos até ao fundo dos abismos; e tudo isso porque a Opinião nos governa e, para bem dizer, que brinca conosco.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 391-394.

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