quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Terceira proposição - Capítulo II

CAPÍTULO II
Certamente também é ela que dá às coisas do mundo esta aparente beleza que nos encanta; é dela e não da Verdade que elas recebem o lustro e esse brilho que nos deslumbra. É das falsas impressões com as quais ela preocupa o Entendimento que procedem os descontentamentos e os erros nos quais ele cai; e disso advém, em seguida, a cegueira que faz com ele estime bens que só têm como fundamento seu capricho e que só subsistem por causa do seu desejo. Aqui, descobriremos de forma adequada as imposturas da Opinião, e convencê-la do fardo e da falsa aparência que ela empresta às coisas! Sem, para isso, empregar a autoridade dos Oráculos humanos e divinos, tiraremos a prova de sua própria boca; e será suficiente que, nos tormentos que ela sofre ao não conseguir se satisfazer, nós a ouçamos se desmentindo solenemente, e gritando com dor, que todas as coisas do mundo são um nada. Voltemos àquele em cujo espírito ela produziu o maior exemplo de sua tirania, àquele por quem a Fortuna testemunhou tão grandes paixões a ponto de ele não ter tido outros meios senão escolher Assuero como seu favorito. Pensemos nele entre seus parentes, cheio de despeito e de raiva, pronunciando estas palavras dignas da mais severa Virtude da Academia e do Pórtico, eu estimo menos que nada tudo o que tenho [o original latino, na verdade, afirma, desde o princípio do capítulo, o seguinte: "Istum enim mundanarum rerum colorem, istum splendidum gestum obduxit, non veritas, sed opinio perversa, transversum iudicium agens, magna bona pro libidine, non pro veritate commentans. Capio iam huius vanitatis fidem, non à Lycaeo & porticu Stoicorum, non à Cruce IESU; non, inquam, ab Philosophia, non a virtute, non a fide, non ab ipsa Dei sapientia; sed à mendacissimis, ab ipso mundo, ab ipsis vanitatis mancipiis", que pode ser traduzido da seguinte forma: "de forma que não é a verdade, mas a opinião perversa não escoltada pela verdade, que conferiu esta mundana cor às coisas, e as dispôs desta esplêndida forma, fazendo com que se formasse um juízo contrário que representasse grandes os bens em prol da libido. Tomo, agora, como confirmação desta verdade, não da Academia, ou do Pórtico dos Estóicos, não da Cruz de JESUS, não da Filosofia, não da virtude, não da fé, não da sabedoria mesma de Deus, mas da mentira mesma do Mundo, dos escravos da vaidade". Louys Videl praticamente resumiu tudo na expressão "Oráculos humanos e divinos"; ndt]. Ele contou suas riquezas como se fosse nada, mesmo sendo ela tão abundante que a mais ardente avareza poderia ser saciada; ele não levou em consideração os presentes e as liberalidades da Natureza; ou a feliz e florescente família; ou a vantagem da qual os homens se vangloriam normalmente ou com a qual mais se alegram; ele não se sentiu em nada tocado com suas honras e dignidades que o elevavam a um tal ponto que, abaixo de si, só conseguia ver a grandeza que havia feito. Onde estão Zenão e Crisipo que tiveram os mais nobres sentimentos quanto às coisas do mundo? [é interessante notar que, no original latino, Nieremberg escreve: "Quid amplius a Zenone aliquo, aut Socrate desiderares?". Referindo-se, portanto a Zenão de Cítio (334 a.C. - 262 a.C.), o filósofo grego que fundou o Estoicismo, e a Sócrates (469 a.C. - 399 a.C.). Mais à frente, no mesmo capítulo, Nieremberg anota: "Quotusquique ex porticu Chrysippus aliquis, ita ad exaggerationem, ita ad contemptionem rerum humanarum animosam extulit vocem?", que poderia ser traduzido da seguinte forma: "Quem, entre tantos, como Crisipo do pórtico, conseguiu mais vividamente levantar a voz para exagerar a vaidade e o desprezo que se deve ter pelas coisas humanas?". O filósofo a que se refere é Crisipo de Solis (280 a.C. - 208 a.C.), um dos mais conhecidos adeptos do Estoicismo, tendo assumido, inclusive, a direção da Escola do Pórtico; ndt] E que as condenaram como ninguém, com o mais absoluto desprezo? Ele [Assuero; ndt] acrescentou ainda que isso foi o que descobriu o mal que a Opinião lhe causou; a ponto tal que Mardoqueu, o Judeu, não se prostrará diante de mim. Na suprema constituição de fortuna na qual ele estava, e na qual ele quase podia dizer que tinha tudo, ele considerou nada possuir, não tendo sequer os respeitos e as submissões de um Escravo; não tendo nem mesmo um coisa sequer digno de seu pensamento e que, razoavelmente, pudesse deixar alguma marca em seu espírito. Algumas vezes, o brilho das estrelas desaparece e parece quase que tenha se apagado; mas é quando o Sol as ofusca com a plenitude de sua luz e enche todas as coisas com seu esplendor. Portanto, quão baixas e vis podem ser as riquezas e as grandezas, visto que um nada as faz desaparecer da lembrança daquele que as possuía em tanta quantidade? Muito frequentemente, aprendemos que os bens do mundo são caducos e perecíveis; mas isso é se os compararmos aos bens do Céu, aos que a Virtude produz, que são sólidos e constantes e cuja duração é eterna. Assim como não há motivo para espanto no fato de uma gota d’água não ser discernível nos abismos do Oceano, certamente não há de que se maravilhar com o fato de que as satisfações mais ligeiras que se saboreiam nesta vida nos pareçam um nada comparadas à perfeita alegria que esperamos na outra. Depois de tudo, ninguém nunca destituiu de valor tão potentemente as grandezas do mundo, nem as colocou tão abaixo do mundo mesmo, do que o inimigo de nossa salvação, através da boca de seu oráculo infiel e pernicioso, quando ele as prometeu todas ao Filho de Deus se ele se prostrasse à terra para adorá-lo. Poder-se-ia representar de forma mais expressa a sua vaidade? E não seria isso – oferecer-lhe um nada – algo como uma declaração bem autêntica do seu próprio nada?

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 394-396.

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