quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sexto meio - Capítulo IV

CAPÍTULO IV
É isso que faremos com a ajuda e a prática da Virtude. E certamente seu poder é tão grande que a antiguidade, não encontrando nada capaz de a representar, e formando uma Ideia para além da perfeição comum dos homens, empregou a Fábula em lugar da Verdade; e imaginou, por isso, um Herói sob o nome de Alcides, dotado de uma tão rara constância e de uma tão maravilhosa força que, depois de ter passado por todos os sofrimentos da terra, e ter vencido tudo o que há de mais difícil, ele ainda sustenta o Céu [no original latino, podemos encontrar a seguinte anotação: "Illud considerandum est ad exemplar virtutis, quanti robur probetur Ethnicis in Alcide, ecclesiasticis Sapientibus in Samsone". Trata-se, no texto de Nieremberg, de um exemplo duplo: um é Hércules, outro é Sansão; ndt]. Certamente também pode-se supor, sem desgosto e sem murmurações, aquilo que vem de sua parte, que consiste na grandeza e na força da Virtude. Está nisso, sem dúvida, o mais digno emprego e a provação mais segura. Mas, está no espírito e não no corpo a consistência dessa força. Devemos ser robustos através da Vontade, por assim dizer. É quanto a isso que devemos nos esforçar e tentar conquistar o bem, visto que este é o único meio para conseguir, e visto que nada nos é dado gratuitamente, e visto que estamos certos de que não obteremos nada sem pena. Será que não ouvimos dizer que há um comércio entre Deus e os homens, no qual ele vende seus bens e eles os compram a preço de sofrimentos? É preciso, portanto, sofrer a fim de adquirir estes bens. É preciso vencer corajosamente tudo aquilo que possa atravessar nosso caminho. E, para dizer em uma palavra, é preciso que vençamos a nós mesmos e combatamos com todas as nossas forças nossos maus hábitos e nossas paixões. Nisso, não devemos nem fingir nem nos gabar. Não se trata de inimigos contra os quais podemos lançar ataques temerários e emboscadas; é preciso lhes fazer guerra aberta; lançar contra eles todo o nosso poderio e não lhes economizar nada. Será que devemos ceder a eles e buscar nossa salvação na fuga? Certamente o perigo será maior do que a vergonha; a experiência ensina que é dar uma notável vantagem à nossa adversária, virar-lhe as costas; e que ela se torna ainda mais forte, dirigindo todos os seus pensamentos ao ataque contra nós e não perdendo tempo com os cuidados de se defender. É por isso que se vê, ordinariamente, tão grandes derrotas, tantas pessoas mortas na fuga – mais do que no combate propriamente dito. Portanto, há não apenas mais glória no combate como também mais segurança; e nesta ocasião, se não se descansa, certamente alcançar-se-á a Vitória. Sobretudo, não podemos descansar no combate dessas violentas paixões que nos dominam mais absolutamente; e devemos agir contra elas da mesma forma como agimos contra esses animais que, não conseguindo ser governados pela doçura, só podem ser domados pela força. Ora, é principalmente aqui que se deve empregar a nossa razão. Ela tem dois ofícios próprios quanto a isso: conduzir as paixões que lhe obedecem facilmente, que seguem sem que se as arraste, por assim dizer; e domar aqueles que lhe resistem, e lhe causam mais pena. Ela deve guiar as primeiras, e dominar as últimas; deve ser a chama para umas e a vara para outras. Que feliz é o homem em cujo espírito ela cumpre livremente estas duas funções! Visto que ela garante contra os violentos movimentos da ambição, como quem domina um inimigo furioso! Visto que ela regra seus apetites [desse homem feliz; ndt] da mesma maneira que um Pai de família regra seus filhos e seus Domésticos.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 341-343.

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