quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Oitavo meio - Capítulo VI

CAPÍTULO VI
Além do mais, se o exercício contínuo é absolutamente necessário a quem quer chegar à perfeição de uma arte, é indubitável que, para chegar à posse do bem a que aspiramos, é preciso a constância e a assiduidade, é preciso um cuidado e uma atenção que não conheça descanso. O famoso Arquimedes [matemático e físico grego, Arquimedes (287 a.C. – 212 a.C.) inventou várias máquinas de guerra para proteger Siracusa, sua cidade natal, do cerco de Marco Cláudio Marcelo, em 215 a.C. Segundo o relato histórico, o cerco durou 3 anos, ao final dos quais, Siracusa foi tomada; ndt] era tão dedicado ao estudo dessa arte [da constância; ndt] que, através de sua prática, ele fez com que fosse inútil o esforço dos inimigos de sua pátria; que, esquecendo por isso todas as coisas até ao ponto de não se lembrar daquilo que ele devia à sua própria pessoa, se pode dizer que ele viveu menos, não sofreu a vida, a ponto de, muitas vez, ser preciso solicitar-lhe que se dedicasse às que a vida, necessariamente, demanda. Como aqueles que cuidavam dele o estavam obrigando a tomar banho e ungir o corpo para trazer de volta o calor que a violenta contenção de seu espírito havia banido, ele não conseguia ficar parado e, traçando com seus dedos linhas e figuras, continuava sem interrupção e sem divertimento algum esse nobre exercícios, e foi assim até a hora de sua morte. É preciso que, a exemplo desse excelente homem, toda a nossa vida seja uma firme e constante prática da Virtude; é preciso que nosso último momento se empregue ainda no agir bem. Devemos, para que isso aconteça, esquecer, como ele, todas as coisas e quase nos esquecer de nós mesmos; e acreditar que, após um tão digno emprego, não há nada que seja mais digno de nós. Que aquilo que nossa consciência, uma vez, nos disse ser bom, seja inviolável e santo para sempre; e que tendo tomado uma séria decisão de bem viver, aconteça-nos muito mais faltarmos a nós mesmos do que à nossa palavra. Que nossa vida seja uma contínua sequência de ações virtuosas e seja como uma bela tessitura na qual não se vê marca nem de desigualdade nem de intervalos; e que, por um encadeamento indissolúvel, o fim e o meio de nossa vida estejam ligados ao começo. O bem que fizemos nos passado é estimado por aquele que fazemos no presente. A perseverança é que lhe dá o preço, além de o dar também a quaisquer atos virtuosos dos quais possamos nos gloriar; se eles não são contínuos e não estiverem todos presentes em nossa morte, certamente eles não estiveram presentes em nossa vida, por assim dizer. Eles não se sustentam por si mesmos e só conseguiriam subsistir através daqueles que vêm na sequência. Os últimos asseguram todos os demais, e nossas boas obras de hoje esperam sua duração e sua firmeza daquelas que faremos amanhã. Mas, por menor que seja a pausa que dermos, tudo aquilo que tivermos feito de bem se destrói e cai em ruínas; assim, sem dúvida, nossa perda e nossa salvação dependem de um momento; e a eternidade depende desse ponto fatal no qual cessamos de fazer o bem. É também por essa razão que ela foi nomeada por um Filósofo o produto e o fruto do tempo presente [no texto latino, Nieremberg escreve: “Sapieter illud Indicum à Megasthene proditum praesentem vitam monet”. Trata-se, portanto, do geógrafo grego Megástenes (c. 350 a.C. - 290 a.C.) que escreveu a obra intitulada Índica, na qual descreve a sua viagem pela Índia, provavelmente entre os anos 302 a.C. e 288 a.C.; ndt]. Outro pensador, depois dele, considerando a fragilidade e a brevidade da vida, chamou-a judiciosamente de infância da vida eterna [no texto latino, Nieremberg, após citar em grego, sem tradução, a frase de Megástenes, escreve: “Consentit sapientissima Syncletica, & magnus Athanasius. Est breve hoc tempus, foetatio aeternitatis, adolescentia aevi, iuventus immortalitatis”. Trata-se portanto de dois personagens, que o tradutor resumiu a apenas um: Santa Sinclética, virgem e monja, que viveu em Alexandria no século IV; e Santo Atanásio (c. 295 - 373), bispo de Alexandria e um dos Padres da Igreja. É interessante observar que também a frase traduzida por Louys Videl está incompleta: na verdade, a anotação completa de Nieremberg diz que “este tempo é breve, infância da eternidade, adolescência da idade, juventude da imortalidade”; ndt]. Ora, nós imaginamos que seremos capazes de chegar a este ponto simplesmente sendo firmes no fazer o bem? Não nos persuadimos de que nos é possível descuidar, que podemos deixar alguns espaços vazios e que, como os Operários comuns, podemos pensar que é possível recompensar aqui a perda de um dia pelo emprego de outro. É preciso que estejamos certos de que, tão logo deixamos de praticar a Virtude, oferecemos meios para que o vício nos ataque e nos surpreenda. Ele não vem a nós abertamente, mas mascarado e cautelosamente; e como ele se sente culpado por sua extrema feiúra, ele esconde seu rosto e seu nome. Ele nos pede que o admitamos em nós por um tempo; e favorecido pela complacência natural que tempos por ele, ele nos persuade facilmente de que irá embora cedo, tão logo nos recoloquemos no caminho do bem agir; mas, tão logo o recebemos em nós, ele nos domina tão poderosamente, ele assume um tão grande Império sobre nosso espírito, que sentimos uma incrível dificuldade para mandá-lo embora. Se não fizermos um esforço extremo não seremos capazes de nos livrar dele.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 363-365.

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