sábado, 13 de novembro de 2010

Oitavo meio - Capítulo VIII

CAPÍTULO VIII
Com esse inconveniente, é preciso evitar com extremo cuidado tudo aquilo que é contrário à prática da virtude; tudo aquilo que enfrenta seu meio-termo, que destrói a constância e a igualdade que ela exige. São as esperanças elevadas, os desejos altaneiros, a ambição, a vanglória; e tal como outras consequências ordinárias, as vantagens que vêm da Fortuna, riquezas e dignidades. Sem dúvida, essas são armadilhas contra a Virtude, venenos mortais contra a integridade dos hábitos e contra a inocência da Vida. Portanto, não somente é preciso empregar toda a força de nosso espírito para nos defender, mas como também é preciso resistir poderosamente às suas tentações e seus atrativos. É preciso não apenas condenar nossos afetos depravados e nossos desejos desordenados, mas também tudo aquilo que é capaz de acender nossa cobiça e que lhe pode servir de matéria. Ainda que, com efeito, a Virtude seja a coisa mais eminente do mundo, ela gosta, no entanto, de se manter no meio-termo; nobre como ela é, brilhante como ela é, ela foge do brilho e da pompa, e moderando todas as coisas, ela permanece no mesmo temperamento e na mesma moderação. Há uma história irônicae marcante: a daquele que, de humilde e modesto que parecia ser antes de ter sido eleito Abade, até ao ponto mesmo de não levantar os olhos e nada falar, e quase guardar um silêncio perpétuo, tendo testemunhado, depois da eleição, presunção e orgulho, respondeu àqueles que se espantaram com uma tão repentina mudança que aquilo que, antes de sua eleição, o fazia baixar a vista era o fato de ele estar sempre buscando as chaves do claustro, e que as tendo encontrado, ele passou a falar, desde então, em alto e bom som e trazia sempre o rosto levantado. Mas, isso foi muito mais uma declaração do que uma mudança de sua natureza; ele parecia muito mais ambicioso do que era. O mal que nos fazem as dignidades é muito pior, sem dúvida, pois corrompe nossos hábitos, mais do que os traz à tona; elas nos pervertem inteiramente e são tão poderosas para isso que se viu homens que poderiam ser chamados de perfeitos exemplos de modéstia que, tendo sido elevados por força a grandes empregos, e levados, contra sua vontade, para honras, que não somente se tornaram vãos, mas também foram pervertidos até ao ponto de degenerarem na insolência e se tornarem insuportáveis; e quando elas produzirem apenas um outro efeito – o de descobrir nossa natureza e publicar o segredo de nossas inclinações – elas nos serão de muito prejuízo, arrancando-nos essa máscara de probidade que nos cobria, e evidenciando os segredos que tínhamos escondidos. Nisso se justifica suficientemente que a Virtude é tão venerável que ela se faz respeitar por aqueles mesmos que a corrompem e que abusam dela, estando certo que, para conservarem a imagem de uma coisa tão santa, eles se abstêm de muitos Vícios, têm a aparência de gente de bem, mas se não têm seus efeitos, não o são verdadeiramente.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 368-370.

Nenhum comentário:

Postar um comentário