domingo, 21 de novembro de 2010

Primeira proposição - Capítulo IV

CAPÍTULO IV
Assim como os animais domésticos, quando estão em cólera, só conseguem se acalmar quando ouvem a voz das pessoas que eles conhecem, é preciso que acalmemos a violência das paixões através das verdades e das máximas que lhes sejam conhecidas e familiares, que possamos empregar em todas as vezes que for necessário, e que sempre as tenhamos nas mãos, para nos servirmos delas como quem se serve de um escudo contra os assaltos e os esforços da Fortuna. Os Pilotos preparam, durante a calmaria, as que coisas que lhes são necessárias para se garantirem durante a tempestade; é preciso assim também nos prevenirmos na prosperidade, quando estamos entre as carícias e os favores que recebemos da Fortuna, daquilo que nos defende de suas injúrias, e nos protege das setas de sua inconstância e de seu rigor. Governando nossas paixões dessa maneira, e as acostumando à voz da razão, elas se organizarão segundo sua vontade, elas lhe obedecerão os movimentos; e do mesmo modo que certas flores seguem o Sol, e giram na mesma medida em que ele gira, elas seguirão a luz da Verdade que, esclarecendo nosso espírito, fará desaparecer os fantasmas e as ilusões que a opinião havia formado ali; nos colocará numa rota feliz, onde não encontraremos nada que nos assuste ou que nos cause repulsa; e nos descobrirá as imposturas desta inimiga de nosso repouso, que, não se contentando em nos fazer sofrer através da apreensão de uma enormidade de males que ela cruelmente inventou, é ainda tão enganadora e de tão má fé, não somente a ponto de fazer com que não vejamos como mal os males que cometemos e nossas próprias faltas, mas fazendo-nos arranjar desculpas para tê-las cometido e, por uma depravação extrema, as louvar e as colocar na mesma altura que os bens. Sem dúvida, é nisso que estão nossos maiores males, se não forem os únicos que devemos temer realmente. Todo o resto de coisas é indiferente de si e não tem nenhuma determinação. Elas assumem a tintura e o rosto segundo mais nos agrada; segundo o emprego que se lhes dá, se pode fazer bens ou males; elas aproveitam quando as deixamos na sua pureza natural; mas elas danificam, se se as corrompe e utiliza de forma inadequada. Ora, como, seguindo a Verdade, mantemo-nos no caminho certo que conduz ao bem; como estamos certos de que ele a acompanha para onde vai e que ele é inseparavelmente ligado a ela, é preciso que o Entendimento a proponha à Vontade, que deverá ser seu primeiro objeto, a fim de que, chegando, através dela, ao conhecimento do bem, ela se inflame com o desejo de sua posse; ela se excite em seu amor e em sua busca.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 383-385.

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