sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Oitavo meio - Capítulo VII

CAPÍTULO VII
É preciso, portanto, nos manter cuidadosamente atentos para nunca sermos surpreendidos e cair em armadilhas. É preciso imitar os Sábios Capitães que, marchando em país inimigo e sabendo que poderiam ser atacados a qualquer momento, mantêm os olhos abertos a tudo e permanecem sempre em estado de defesa. Certamente, não há nenhuma verdade mais certeira do que essa para nós: estamos na vida sempre em perigo. O contágio do vício nos circunda e nos pressiona de todos os lados; ele está eternamente de espreita a fim de nos assaltar; e marchamos num país que não apensa não é amigo, como também nos é extremamente contrário. É preciso, portanto, sempre estar prontos para combater, estar sempre com as armas nas mãos, ou seja, estar sempre providos de máximas excelentes e de dogmas salutares, que nos sejam presentes e familiares, e que recitemos todos os dias, a exemplo dos discípulos de Pitágoras, que ordinariamente traziam na boca os preceitos de seu mestre [no original latino, Nieremberg cita nominalmente uma série de discípulos de Pitágoras entre outros filósofos: "Galenus singulis diebus praecepta Samii senis recitabat sibi. Hierocles scribit, legem Pythagoream fuisse, bis in die illa repetere. Diogenes mane iubebat praestrui. Epictetus etiam ad singulas actiones". Temos, portanto, os seguintes nomes: Cláudio Galeno (c. 131 - c. 200), Hierócles (séc. II), Diógenes Laércio (séc. III) e Epícteto (55-135); ndt]. Ora, se sempre está em nosso poder evitar o mal e praticar o bem, é preciso que nós o façamos sem a menor dúvida; não nos deve ser difícil sermos sempre os mesmos, querendo ser bons e virtuosos. Qual outro propósito haveria em ter, incessantemente, na memória aquilo que não somente evita que caiamos no mal, como também evita que nossa vida caia no esquecimento, e nos faz produzir ações famosas e memoráveis? Quantas vezes, para chegar à perfeição da arte de bem dizer, nós estudamos as obras dos excelentes Oradores, ou lemos Cícero e Demóstenes? [no original latino, aparece: “Ut bene semel loquatur Orator, & Sophista; millies legit, relegit Tullii, aut Demosthenis fragmenta”. Trata-se de Marco Túlio Cícero (106 a.C. - 43 a.C.) e de Demóstenes (384 a.C. - 322 a.C.), ambos reconhecidos como importantes oradores, o primeiro romano e o segundo grego; ndt] E mesmo este último [Demóstenes; ndt], para obter o mesmo efeito, não transcreveu oito vezes, com suas próprias mãos, a história de Tucídides? [Tucídides (c. 460 a.C. - c. 400), historiador grego, cuja obra mais conhecida é a História da Guerra do Peloponeso; ndt] Certamente, o espírito pede alimento da mesma forma que o corpo; ele tem apetite, por assim dizer, e avidez; chega a ter até mesmo mais apetite, visto a sua natureza imortal que não encontra, nesta vida, nada que satisfaça o seu paladar, nada que o satisfaça plenamente. Mas, há esta diferença entre seu alimento e o do corpo: a digestão, no caso do alimento do corpo, o consome totalmente e ele [o alimento; ndt] só servirá por um dia, sendo necessário tomar mais alimento depois. Pelo contrário, o alimento do espírito permanece sempre o mesmo e não se consome de forma alguma, de forma que sempre podemos retornar a ele, não precisamos nunca tomar mais outra vez. Este alimento consiste na contínua prática do bem. É nisso que nosso espírito encontra alimento e vida. Mas, levando-se em conta que ele pode ficar descontente com isso, e tomar por bem aquilo que não é ou que o é apenas aparentemente, é preciso, sobre todas as coisas, que ele se guarde de se conduzir, nisso, pela opinião, que é um guia perigoso, que só leva à perdição; mas, que ele siga a razão, que é direita e esclarecida, que lhe apontará boas direções e servirá de Fio de Ariadne, como aquele que ajudou Teseu a sair do labirinto [trata-se do mito de Teseu e do Minotauro de Creta; ndt]. Ela o fará sair felizmente das trevas e da confusão das coisas dessa vida; ele lhe dará esta constância e esta firmeza tão necessárias no exercício da Virtude; enquanto que a opinião o fará falhar incessantemente e, o levando por entre falsas sendas, o lançará, finalmente, dentro de um precipício.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 366-368.

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