quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Terceira proposição - Capítulo III

CAPÍTULO III
No entanto, não pensemos que Amã tenha pronunciado essas palavras imprudentemente e de maneira solta; elas não caíram inopinadamente de sua boca; ele as meditou antes de as dizer; ele quis que seus parentes e amigos, expressamente chamados diante de si, fossem testemunhas de suas palavras. Ora, temendo que eles acreditassem que ele havia perdido o sentimento de sua felicidade, pelo esquecimento das vantagens que a compõem, estando certo de que as coisas se apagam de nosso coração tão logo se apagam de nossa memória, ele lhes disse em detalhes do que se compunham suas grandezas e riquezas, enumerando-as com exatidão e particularidade. Mas, por mais que elas estivessem num tão alto ponto que a imaginação só conseguisse chegar até a elas com muito esforço; por mais que não se conhecesse fortuna com o preço e a eminência da sua; ele não pôde impedir-se de se lamentar. Aquilo que enchia os outros de admiração não foi capaz de satisfazê-lo; ele se achava o mais pobre e o mais infeliz de todos os homens; ele disse que não tinha absolutamente nada e, mais do que dizer, ele acreditava mesmo nisso. Como se a dureza de Mardoqueu pudesse passar para ele, ele se tornou insensível ao prazer que a grandeza traz; ele perdeu inteiramente o gosto das delícias e das Volúpias; e o desprezo que ele parecia receber de um Escravo foi o desprezo que ele deu às coisas mais preciosas e encantadoras. Ora, eu vos pergunto, em que tempo? Quando ele gozava plenamente? Quando sua cobiça era mais ardente, visto que seu objeto estava mais perto dela, a ponto de irritá-la e infectá-la pela simples visão, por assim dizer, da mesma maneira que aquela Serpente que mata com o simples olhar e leva seu veneno em seus olhos? Quando o favor da Rainha bem ajustado ao do Rei tornava o seu estabelecimento ainda mais firme e dava uma nova extensão às suas esperanças? Quando ele não tinha nem pensamentos nem lembrança alguma da morte, e sequer estava reduzido àquele momento fatal em que os homens, prestes a deixar a vida, rompem todo o comércio com o mundo, e renunciam seriamente à vanglória? Quando, não conhecendo ainda a Fortuna, ele a cria constante e fiel? Quando ele estabeleceu a felicidade na posse das honras e dos bens, não sabendo que eles perecem por si mesmos e são feitos de uma matéria caduca e frágil? Quando, recebendo-os todos os dias [as honras e os bens; ndt], ele começou a acreditar que havia conseguido impor um tributo à Fortuna, considerando-os [as honras e os bens; ndt] menos como efeitos de sua liberalidade do que como marcas de sua sujeição? Numa palavra, quando ele estava numa constituição tão poderosa, numa tão boa colocação, num tão firme estabilidade, que nada parecia ser capaz de abalá-lo, e não houvesse lugar em seu espírito nem mesmo para a suspeita de sua ruína? Não obstante tudo isso, ouviu-se que ele tenha dito em alto e bom som que ele nada possuía; e o sentimento da Verdade foi tão forte em todos os que o escutaram que não houve um sequer que não tenha ficado de acordo com ele; ele não foi desmentido por ninguém. Nem mesmo sua mulher, que suspendendo sua natural paixão de mãe, não apenas não se escandalizou em nada ao vê-lo olhando para seus filhos sem amor e sem ternura, como também aprovou seu lamento e o achou cheio de razão. Seus amigos, se se podem chamar assim mesmo aqueles que só eram amigos de sua fortuna, aplaudiram o desprezo que ele teve pelas honras e pelos tantos bens. Será que, depois disso, ainda recearemos dizer que as coisas do mundo são nada? Visto ser uma verdade o fato que os ambiciosos e os avaros também as reconheceram assim. Se aquele que mais as estima entre os homens, se aquele que mais se deslumbra e se encanta com elas – as grandezas e as riquezas – as considerou como um nada em comparação com o nada mesmo, o que nós podemos pensar que elas devam ser se comparadas com o preço dos bens da eternidade? Se uma só centelha lhes fez perder todo o seu brilho, pode haver algo de sua aparência que se conserve diante do Sol? E, sobretudo, diante daquele em cuja presença o outro [o sol; ndt] é sombra e não tem nem esplendor nem luz?

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 397-399.

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