sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Sétimo meio - Capítulo III

CAPÍTULO III
Se é necessário que velemos cuidadosamente pela colheita dos bens que a Fortuna nos faz por acaso e que, na maior parte do tempo, só obtemos por causa de seu capricho, quão justamente devemos empregar nossa vigilância e nosso cuidado para adquirir o bem que procede da Virtude e que ela nos faz por desígnio e que ela nos presenteia incessantemente? Será que estimamos tão pouco a coisa mais estimável que há no mundo, a mais preciosa? Será que não temos paixão nem sentimento pela Felicidade, o único objeto digno de nossos cuidados? Confessemos, francamente, aquilo que nos é impossível dissimular: estamos numa tal apatia, numa tão contínua ociosidade, que ficamos de tal forma imóveis e impotentes para todas as ações virtuosas que não temos mais nem vida nem movimento – apenas os temos para as más ou as inúteis –; nada daquilo que pode nos tornar feliz é capaz de nos excitar e de causar alguma boa impressão em nosso espírito. Nisso, parecemos com aquele cachorro que, dormindo ao som das marretas na forja de seu mestre, e não despertando nunca por mais tempestade que se fizesse perto dele, se levantava tão logo alguém batesse os dentes e começasse a comer. Consideremos, eu vos peço, a multidão de bajuladores que, ordinariamente, enchem a Corte de um Rei, e que assediam sua pessoa. Pensemos em como só têm olhos e mãos para ver e fazer aquilo que lhe agrada; pensemos na atenção com a qual eles observam os movimentos de seu rosto, para descobrir os movimentos de seu espírito; pensemos na prontidão com a qual eles executam suas ordens e se ocupam mesmo de as prevenir com serviços voluntários e antecipados. Consideremos o entusiasmo com o qual eles imaginam poder agradá-lo e adquirir sua estima. Não é verdade que a Diligência faz toda a sua arte e que ela é sua principal virtude? Quanto a isso, lancemos todo a luz sobre a verdade e coloquemos as coisas no seu devido lugar. Sem a Diligência, não fazemos nada que seja agradável a Deus, nada que seja capaz de nos satisfazer. A preguiça se sobrecarrega e se incomoda a si mesma; ela é seu próprio problema e seu próprio tormento; e quando ela não atrai, como soe, a miséria, ele se pune por não a ter previsto; ela sofre bastante no cuidado que tem de procurar todas as coisas que são capazes de entretê-la. Certamente, aqueles que a amam por causa do prazer que pensam nela encontrar, estão muito enganados, visto que a experiência ensina que, na verdade, ela paga e destrói os prazeres. E se eles saboreiam algum prazer, ele certamente terá o defeito comum a todos aqueles que o vício produz: não será legítimo e será de pouca duração.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 347-349.

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