CAPÍTULO IV
Nada, portanto, seria capaz de nos impedir de progredir no bem, e há muitas coisas que nos impelem e nos ajudam nisso. Primeiramente, o exercício contínuo nos dá, no progresso do bem, uma segurança maravilhosa; ele torna doce aquilo que é rude e difícil nessa matéria; ele a [a matéria; ndt] torna flexível e obediente, ele a prepara tão felizmente que consegue arrancar toda a sua rudeza e toda a sua dureza. E certamente aquela máxima de Pitágoras é fundada na razão: que é preciso escolher uma boa forma de viver, porque, por mais penosa que ela seja, e por mais espinhos que nela se encontrem, é certo que o costume a torna agradável e faz com que ela se torne um prazer [no texto latino, Nieremberg escreve: “Vere a Samio dictum, eligendam esse vitam bonam, gratam consuetudine fieti”. Apesar da homonímia – há escultor grego, que viveu no século V., que é conhecido como Pitágoras de Samos –, trata-se sempre de Pitágoras (c. 570 a.C. – c. 497 a.C.), o matemático e filósofo; ndt]. Segundo pensais vós, este é um motivo de espanto? Consideremos, no entanto, que é próprio do hábito mudar inteiramente as coisas, tornar encantadoras as mais inconvenientes, fazer amar as cadeias e as prisões; converter o amargo em doçura. É próprio de um ânimo maligno lamentar-se contra a natureza porque, tendo concedido às ações do corpo uma volúpia presente, fez com que fossem difíceis as salutares funções do espírito. Este lamento é injusto, visto que, sem dúvida, ela não somente as recompensou também com uma volúpia, mas, com uma volúpia muito maior do que as sensuais seriam capazes de ser. Nisso, ela agiu com sabedoria e aptidão: ela fez pelo corpo, que é enfermo e mortal, uma volúpia caduca e mortal, que acaba tão logo começa, que morre ao nascer, e que é importuna enquanto progride; porque – falando apenas daquela que pertence ao gosto – não é verdade que ela é tediosa quanto mais for contínua? E quem nunca fez esta experiência frequente de quanto mais comer tanto menos sentir prazer? Mas, a Volúpia que acompanha as operações do espírito – tendo em conta a excelência e a perfeição de seu sujeito, que é imortal e divino – está sempre forte e vigorosa, não se diminui nunca e nunca se enfraquece, é sempre agradável e sempre nova. E, ao contrário das volúpias do corpo, ela cresce em doçura na medida de sua continuação, ela não é menos agradável no fim e no progredir do que no começo.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 358-360.
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