terça-feira, 9 de novembro de 2010

Oitavo meio - Capítulo III

CAPÍTULO III
Ela [a Virtude; ndt] é toda de uma mesma cor e aparência; ela não gosta de se diversificar; ela odeia e foge da variedade. Certamente, o Sábio também é assim: é aquele que sempre se vê num mesmo fundamento, que não conheça a mudança e que é, em todos os lugares, igual a si mesmo. Sem dúvida, a grandeza e a dignidade do homem consiste na unidade, ela tem nisso todo o seu preço e a sua perfeição; ele é rebaixado, a perde, tão logo se faz diferente e divide a si mesmo. Estava nisso o mais comum sentimento da melhor parte dos Filósofos; e por mais diferentes que fossem suas concepções sobre todo o restante das coisas, eles estavam de acordo neste ponto: o que é bom é um [no original latino, Nieremberg escreve: “Megaricae factionis celebre fuit placitum, id bonum dumtaxat esse, quod esset unum”; ndt]. Por isso, então, visto que não temos dúvidas acerca do fato de que a unidade seja a base e o fundamento da Sabedoria, tenhamos todo o cuidado e dediquemos todo o estudo para adquirir isso. Sejamos, hoje, o que fomos ontem, se tivermos sido virtuosos; e se o somos hoje, sejamos amanhã e por toda a nossa vida. Tenhamos como constante que, em matéria de bem, é fazer muito, é fazer o suficiente, fazer sempre a mesma coisa. Quem se divide em diversos empregos, só conseguirá cumprir um pouco de seus deveres; muitos desígnios se confundem e se destroem uns aos outros. E vemos, ordinariamente, que o excesso de desígnios impede o efeito. Ser sempre igual e sempre um é ser algo de muito nobre e de muito excelente; é ter o caráter da Divindade e, ainda mais, é tê-lo de forma segura, visto que é certo que sua soberana prerrogativa é ser incapaz de alteração, ser eternamente aquilo que é e o ser por si mesma. Mas, qual é o meio para adquirir esta igualdade, sendo que encontramos, na vida, a toda hora, dificuldades, obstáculos que nos fazem parar e nos atrasam? E sendo que a Fortuna, inimiga de todos os desígnios que assumimos para deixar nosso espírito em repouso, não cessa de nos suscitar ocasiões de problema e de dificuldade? Somos sujeitos, estou certo, a uma infinidade de encruzilhadas e impedimentos; o caminho que nos leva ao bem é todo coberto de pedras e pedregulhos. Sem dúvida, o sofrimento que sentimos é duro e penoso: mas, aquilo que pensamos que nos deve desencorajar deve nos excitar mais. A pena é o tema e a matéria sobre a qual se dedica a Virtude, chega a ser mesmo a matéria mais preciosa sobre a qual ela poderia trabalhar. Quem já viu que um artesão pare de trabalhar porque tenha muita matéria? Ou que o ourives despreze sua arte porque o ouro abunda em sua casa? O que o Escultor desgoste de sua tarefa porque, a cada dia, lhe chega uma peça nova de mármore? Pelo contrário, ele se anima, ele se dedica mais; e tendo que fazer a Estátua do Rei, ou outra obra qualquer de grande importância, ele escolhe o mármore mais duro, mesmo sabendo que isso lhe custará muito mais tempo e trabalho. Por que recusaríamos as coisas duras e difíceis, visto serem estas as verdadeiras matérias com as quais se forma a viva Imagem da Divindade, o homem virtuoso?

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 356-358.

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