CAPÍTULO X
Esta é uma verdade da qual não podemos duvidar: a de que aqueles que não foram instruídos como fomos e que não tiveram as luzes e os conhecimentos que temos não a ignoram também. Eles não creram somente em um Deus, soberano autor e princípio universal de todas as coisas; mas, imaginando que, por maior e mais poderoso que ele pudesse ser, ele não era suficiente para lhes conduzir e que o seu governo era grande demais para uma divindade sozinha, eles imaginaram um número infinito [de deuses; ndt], entregando a cada um deles um governo particular. Poderíamos contar uma dúzia [de deuses; ndt] que deveriam ter presidido o berço da humanidade e deveriam ter assumido a direção de sua infância. Deixo de lado aquelas [divindades; ndt] que deveriam cuidar dele [do homem; ndt] durante as outras estações de sua vida. Eles consagravam todas as paixões, e faziam uma Divindade de cada uma das Virtudes. Enfim, todas essas mentiras tiveram por fundamento esta Verdade: que todo bem procede de Deus; que não há nada que venha verdadeiramente de nós mesmos; que tudo aquilo que temos de conhecimento, de poder e de habilidade, é inútil e vão sem sua ajuda. A Virtude não é um nobre efeito de nossa força ou de nossa habilidade; também não é um produto da arte; é um dom, é uma pura liberalidade do Céu; a quem devemos, com esse bem, tudo aquilo que temos nessa vida. É dele que vem a luz, através da qual nossos olhos considerem as diversas belezas do mundo, e não são ofuscadas pelas trevas de uma noite eterna; é dele que cai na terra o que causa sua fertilidade e sua abundância; é dele que ela recebe este calor ativo e vivicante que faz tão excelentes obras; e que se pode tão adequadamente chamar a Alma da Natureza. É disso que vêm sobre nós tão salutares influências; é, em uma palavra, de onde nos vem a inteligência, o saber, a coragem, a saúde, a força e geralmente todos os bens e todas as vantagens do espírito e do corpo. Um e outro dependem soberantemente dele [de Deus; ndt]; ambos recebem plena comunicação de suas graças; mas o privilégio de as atrair pertence exclusivamente ao primeiro; e ele tem o direito de abrir este tesouro todas as vezes que lhe agradar. É isso que ele faz, sem dúvida, quando se abaixa e se anula diante da Soberana grandeza de Deus; quando ele se lhe apresenta limpo e puro de todos os pensamentos de vaidade; quando se desveste de seus sentimentos de presunção e de vanglória. É quando, com uma cega e perfeita obediência, ele se resigna nele e se submete, sem ser forçado, a todos as suas Vontades. Neste estado, ele atrai não apenas a graça de Deus, mas atrai a Deus mesmo, que sofre ainda menos o vazio que a Natureza; e perfeitamente purificado das imundícies da terra, ele se preenche todo dele. Que grandeza e excelência tem a humildade! Ela que tem preço a posse de Deus; de fazê-lo descer do Céu, de merecer que ele se dê a ela como recompensa! Toda a pompa e a magnificência do mundo, todos os seus bens, todas as suas honras, seriam capazes de produzir um tal efeito? Certamente ela é mais nobre do que eles, que não têm verdadeiro brilho, senão aquele que ela lhes confere. É ela que realça a grandeza mesma; e não teremos nenhum pejo em admitir que aquela que está melhor estabelecida não tem nenhuma segurança se ela não for o seu fundamento. Por mais que esta verdade seja constante e que sustente suficientemente, nós a confirmaremos com esta palavra de um antigo Filósofo que, vendo em um de seus discípulos um espírito extremamente altaneiro, lhe disse [no original latino, Nieremberg afirma: “Haec sui vacuitas magnes sit divini respectus, illex Divinitatis, impatientioris vacui, quam natura. Inest Deus ei, qui sibi deest: adest, si tibi absis, ut Eunomo Cicala pro filo, iuxta Pseudo-Asclepii preces. Sapienter propterea Barbarus dixit: Caput disciplinae, silentium; caput omnis intelligentiae, delectio. Unus est honos, cuius meritum ipso pretiosius est. Videns Scapheus discipulum vehementer instarum, verissima obiurgavit sententia...”. O autor se refere a uma história sobre a qual não encontramos muitas referências precisas. De fato, não encontramos referências a nenhum Pseudo-Asclépio que figurasse ao lado de um Eunômio e uma cigarra, e esse discípulo de nome Escafeo; ndt]: aprenda que aquilo que é grande nem sempre é bom; que muito frequentemente isso é mal; quase sempre perigoso; e raramente de longa duração; pelo contrário, aquilo que é bom, sempre é grande e seguro; e diremos ainda mais: é sempre glorioso.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 371-374.
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