segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Segunda proposição - Capítulo II

CAPÍTULO II
Qual dos dois, nesse momento, achamos ser mais feliz? Aquele que é desprovido de todas as suas esperanças? Ou aquele cujos desejos foram inteiramente realizados? É sobre isso que a Razão nos impede de deliberar; ensinando-nos que a condição deste é muito mais miserável que a daquele [no sentido que não há motivo para uma deliberação, quando estão tão claros os fatores em jogo... deve-se simplesmente obedecer; ndt]. Aqueles que ainda não conhecem nada da maldade da Fortuna, e que não experimentaram ainda o engano que lhe é ordinário – de nos dar um mal como se fosse um bem – resistirão, no início, estou certo, a este sentimento e o acharão pouco razoável. Mas, que eles saibam que, por um mal que eles imaginam, foi frustrado o efeito de sua expectativa; há dois grandes e muito sensíveis para obter: não ter o bem que eles esperavam e, por uma infalível e cruel troca, ter em seu lugar um mal a que não esperavam. E como a dor que se recebe de um golpe forte aumenta quando é dado uma segunda vez, esses dois açoites igualmente pesados que a Fortuna nos dá, nos surpreendem e nos assustam de tal maneira que é melhor que a razão nos proteja fortemente e nos preste uma poderosa ajuda, para nos salvaguardar de sermos destruídos. Diz-se que Aníbal [ou Hanibal (247 a.C. - 183 a.C.), foi um general e estadista cartaginês, e é considerado um dos maiores estrategistas militares da história; ndt], estando em Creta, e tendo que se defender da avareza dos Gortínios [os habitantes de Gortina, localidade da ilha de Creta; ndt] que desejam seu ouro, tomou o cuidado de encher de chumbo alguns jarros que ele usou como compromisso de sua fé e que, em seguida, ele depositou no Templo de Diana; persuadindo-os, através disso, de que lhes havia realmente feito mestres de seus tesouros. Se desejássemos esses jarros, crendo-os realmente cheios de ouro, ficaríamos muito menos encolerizados de encontrar apenas chumbo se, não chegássemos nem mesmo a tê-los em mãos, porque alguém no-los subtraísse. Esta é a fineza da Opinião: ela nos dá chumbo como se fosse ouro, seus efeitos são muito contrários às suas aparências e às suas promessas. Não lhe sendo suficiente nos ter feito decair de nossas esperanças, ela acrescenta uma segunda dor àquela que ressentimos após a queda: ela nos sobrecarrega e nos aflige com um novo mal, ainda mais desagradável e doloroso, que não havíamos sequer previsto; e então fazemos experiência dessa verdade, segundo a qual os mais perigosos golpes que recebemos da Fortuna são aqueles que nos chegam inopinadamente e que, não apenas sua ira e suas ameaças não os precederam, como também vêm, frequentemente, logo depois de uma boa aparência que nela identificamos. Depois disso, será que ainda seremos tão contrários a nós mesmos a ponto de ter alguma confiança que seja nos conselhos da Opinião? Será que não desconfiaremos dela como de uma mortal inimiga? Temos muita razão em considerá-la assim, visto que, não se contentando com os males que a Fortuna nos suscita, ela é ainda mais maligna ao fazê-los crescer, acrescentando a eles agruras e amarguras. É dela que procedem todas as nossas tristezas e todas as nossas inquietudes. Seja porque ela converte os bens em males, seja porque ela muda os males em bem, ela sempre nos faz sofrer igualmente; ela é sempre uma perpétua Operária de problemas e penas. Se, às vezes, ela nos dá algum motivo de alegria – o que é muito raro, sem dúvida –, ela imediatamente mistura a isso um pouco de fel, corrompendo-a e envenenando-a. Não há resolução nossa de praticar a Virtude que ela não seja capaz de suspender e romper, através da apreensão que ela nos suscita diante das dificuldades e dos espinhos que nos faz supor existir na prática da Virtude. Para nos desviar do bem, ela o diminui em nossa estima; pelo contrário, ela aumenta o valor do mal, e chega mesmo a fazer passar por um mal aquilo que não é. Aqueles que pretendem desculpá-la, nunca alegam que seja ela a lhes causar o contentamento, visto que só é feliz aquele que crê ser. É nisso que ela é ainda mais criminosa: sendo certo que ela não é capaz de produzir contentamento que não seja falso, e que ela só atrai mil verdadeiros desprazeres, e que, quando ela consegue ser inocente quanto a isso, produzindo efetivamente algum bem, ele sempre será escondido e coberto pela enormidade de males que virão em seguida. Para que vamos dissimular? Ela se opõe, com tudo o que possui, ao nosso repouso e à nossa alegria; ela só nos sabe fazer mal. Certamente, o melhor que poderia acontecer a quem a escuta, a quem a segue, é cair num abismo de dor e de miséria.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 388-391.

Nenhum comentário:

Postar um comentário