terça-feira, 16 de novembro de 2010

Primeira proposição - Capítulo II

CAPÍTULO II
É pelo Entendimento que a Vontade se instrui acerca da condição e do estado das coisas; ele é o órgão e o instrumento necessário de todos os seus conhecimentos; ele é suas orelhas e seus olhos, para dizer com poucas palavras; todo partido que ele toma é abraçado por ela sem hesitação; ele lhe permite todos os seus movimentos e a atrai a tudo, da mesma forma como os elos de uma corrente puxam uns aos outros. A perfeita confiança que um Príncipe tem em seu Ministro, sob os cuidados de quem ele repousa da condução de seu Estado, é a mesma confiança que a Vontade tem, em todas as coisas, no Entendimento. Ela se reporta, em tudo, a ele; ela permanece inteiramente confiada a ele; e disso depende, sem dúvida, o estabelecimento de sua alegria; porque, segundo ele lhe imponha ou lhe fale verdadeiramente, e que seu testemunho seja falso ou fiel, ele produz diversamente sua inquietude ou seu repouso. É através dele que as coisas se representam e como que se explicam para a Vontade. Ele é seu intérprete e sua língua; mas tanto língua que fere, como língua que cura, tanto língua mortal, como língua que salva; que faz a Vontade sofrer, fazendo-lhe tomar por mal aquilo que não é; que também alivia a Vontade, livrando-a de males verdadeiros; da mesma maneira que este animal cuja língua é um bálsamo para todas as suas chagas e que só precisa lamber a ferida para se curar [no original latino, Nieremberg se refere ao cão; ndt]. O entendimento produz o mesmo efeito sobre tudo aquilo que ofende e fere a Vontade; ele alivia seus males; ele cura suas chagas, por assim dizer. Ora, como até aqui nós instruímos sobre os meios infalíveis para estabelecer sua paz e sua alegria, nos cuidados seriam inúteis se não os levássemos, em seguida, à instrução do Entendimento, acerca das funções que lhe são próprias nesse sentido. Importa-nos, para isso, saber que somos infelizes de duas maneiras, que a miséria se introduz em nós por duas vias principais, seja porque nos propomos maus objetos para nosso amor; seja porque ficamos descontentes, sem cessar, na estima que temos das coisas. Estes são os dois meios através dos quais somos naturalmente frágeis. E é por isso, sem dúvida, que nosso cuidado maior deve ser no reparo e da defesa. Devemos nos abastecer de tudo aquilo que é capaz de nos manter em segurança; nos munir, nos fortificar de boas e sérias meditações, de sólidos e sábios pensamentos, que podem nos servir em todas as circunstâncias difíceis que encontrarmos; que pratiquemos e reduzamos a efeito quando se fizer necessário. Assim como nós trazemos conosco pedras preciosas para nos garantirmos de diversos acidentes, e a Virtude nos preserva dos relâmpagos e trovões; é preciso que tenhamos continuamente em nosso espírito aquilo que pode nos proteger das tempestades e dos relâmpagos da Fortuna; de salutares máximas, tiradas, senão dos oráculos do Céu, pelo menos das mais puras fontes da sabedoria mundana. 

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 378-380.

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