terça-feira, 16 de novembro de 2010

Primeira proposição - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
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PRIMEIRA PROPOSIÇÃO
QUE é preciso que a Vontade seja ajudada pelo Entendimento

CAPÍTULO PRIMEIRO
Adquirimos para nossa Vontade uma das mais notáveis vantagens que ela poderia pretender. De escrava que ela era, nós a tornamos soberana; ela deixou de ser sujeita à violência das paixões. Nem ao desejo, nem ao temor, nem à esperança, por quem, como por tantos Tiranos cruéis, ela era incomodada sem cessar e que, a partir de então, deixaram de incomodá-la. Ela está protegida de todos os obstáculos que poderiam lhe ser suscitados pela malignidade da Fortuna. Desde então, está em seu poder atingir o objetivo a que aspira, e não será difícil manter-se em plena posse de seu repouso. Mas, precisa de uma ajuda, que lhe confere as habilidades necessárias para conseguir; que sustente seus bons movimentos; que mantenha seus esforços e cumpra, igualmente, o papel de suporte e de guia. É preciso que o entendimento a esclareça e a fortaleça; mas, certamente, é preciso também que ele seja esclarecido; que ele aja firmemente e com certeza sobre o discernimento das coisas; que ele seja puro das más persuasões que, como tantas outras sombras, ofusca sua luz; que, rejeitando o erro e a mentira, ele seja somente capaz das impressões da verdade. Sem dúvida, a Vontade pode desprezar, pode odiar a Fortuna, e não ser infeliz por isso; muitas vezes, é exatamente neste desprezo e neste ódio que consiste a felicidade. Mas, se o entendimento seduzido e corrompido pela opinião se persuade do contrário, se ele se deixa encantar pelo brilho dos bens e das vantagens da Fortuna, é certo que a Vontade – que o escuta e o consulta como se fosse seu oráculo, que adota e determina, segundo seus pareceres, a estima que deve fazer das coisas – não se resolverá facilmente a tomar outro partido e não se afastará de seus sentimentos, sem se fazer violência. Ela se acreditará feliz, a partir do testemunho e da fé daquele que a aconselha; e então, ela só conseguirá ser feliz realmente quando fizer experiência da infidelidade da Fortuna, e quando ela conhecer que sempre estará em perigo enquanto crer que ela [a Fortuna; ndt] é firme. Mas, porque há muito o que dizer sobre a diferença entre esta infeliz felicidade que depende da Fortuna e esta outra rara e maravilhosa que procede da Virtude – a primeira é não apenas ligeira e inconstante, como também é cega; enquanto que a outra é constante e esclarecida; aquela só nos chega fortuitamente, e essa nos é infalível, porque é um efeito de nossa razão e de nossa prudência –, é preciso que a Vontade seja fortemente assistida pelo Entendimento, para não se enganar nessas escolhas; e que ele lhe tire uma parte da pena que ela teria em discernir a falsa da verdadeira [felicidade; ndt]. É preciso que ele lhe faça conhecer, de início, as coisas capazes de produzir sua alegria; a fim de que, estando livre e aliviada do cuidado de as procurar, ela aja mais alegremente nisso e corra, por vontade própria, para abraçá-las. Assim, por mais que a opinião lhe represente como duro e penoso o caminho para chegar ao repouso, ela tirará da Razão aquilo que lhe permitirá encontrar espontaneidade e facilidade; e o conhecimento que ela terá da grandeza e da dignidade de seu objetivo mudará todos os espinhos em rosas. Mas, com a assistência do Céu – sem dúvida, ela tem necessidade da Graça –, de onde lhe deve vir seu maior e mais seguro socorro, de onde ela deve esperar o feliz sucesso de todos os seus empreendimentos; e, ainda mais, pois é quem opera tudo aquilo que há de bom em nós; pois, sem esta ajuda, nós sofreríamos inutilmente e erraríamos numa noite obscura, por mais esforços que nossa Razão fizesse e por maior que fosse a luz que nos iluminasse.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 375-378.

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