CAPÍTULO VI
Encontraremos, sem dúvida, bastantes exemplos para justificar esta verdade; e antes de mais nada, não temos motivo para nos espantar com aqueles cujo conhecimento não para em nada como o [conhecimento; ndt] do povo que, normalmente, para diante da simples aparência das coisas e não consegue penetrar o fundo mesmo das coisas, não vendo que o esplendor das Coroas esconde espinhos, que não há nada de mais pesado do que um Cetro e todo o enorme esforço que se faz para mantê-lo. Mas, sempre veremos como uma grande maravilha que uma pessoa de um sexo para o qual a ambição não parece menos natural do que a vida, tenha não somente não se deixado incendiar pelo brilho das honras soberanas que lhe foram oferecidas, mas tenha tido a coragem de as rejeitar e as tenha evitado com uma constância invencível. Os Portugueses, querendo se assegurar da conquista das Ilhas Molucas – e seu destino tendo sido mesmo este – e entregar a Coroa de Ternate [é uma ilha vulcânica do arquipélago das Molucas, na Indonésia. Os portugueses chegaram à ilha em 1512, e viveram relações tensas com os seus habitantes. Em 1535 o sultão Tabariji foi deposto e a ilha passou para as mãos da Coroa Portuguesa, que deteve o domínio sobre Ternate até o ano de 1575; ndt] a um jovem garoto de dez anos, escolhido entre as mais nobres famílias do país, foram pedir à sua mãe [não encontramos dados acerca dessa criança; ndt] que, inicialmente, recusou e, vendo-se pressionada até onde podia e resistindo por muito tempo com as armas típicas de seu sexo – orações e lágrimas – até o ponto de beijá-los com todas as suas forças, não querendo mudar de opinião de forma alguma, obstinada a ponto de parecer pouco razoável e até mesmo injuriosa, irritou-os de tal forma que, passando da dor à violência, eles arrancaram dela, de uma só vez, seu filho e sua vida. Ela preferia morrer a se resolver por sofrer em vê-lo Rei; visto que, seguramente, para dizer de forma mais exata, uma felicidade necessária é uma miséria infalível. Certamente a ambição desta mulher, Bárbara [não encontramos referências sobre esse nome. Nem mesmo o original latino apresenta esse nome; ndt], vale mais do que a de Agripina [mãe do imperador Nero, conhecida como Agripina Minor, ou Agripina, a Jovem; ndt]. Esta última preferiu a felicidade de ver seu filho se tornar Imperador, do que a própria vida. Enquanto que a primeira, por um sentimento contrário e, sem dúvida, mais razoável, preferiu sua própria morte mais do que o desprazer de ver seu filho sendo coroado. Ela acreditou que se tornaria culpada, com isso, da infelicidade de seu filho; ela o amava demais para consentir com sua ruína. O Patriarca Jacó [o terceiro patriarca da Bíblia, filho de Isaac e Rebeca, irmão gêmeo de Esaú, e neto de Abraão; teve doze filhos e uma filha: Rúben, Simeão, Levi, Judá, Dã, Naftali, Gade, Aser, Issacar, Zebulom, José, Benjamim e Diná; ndt], tendo sabido que seu filho José, que ele cria morto, não estava, teria sentido uma grande alegria por não ter que pagar com sua vida, não fosse o fato de ter, em seguida, descoberto que ele era muito poderoso entre os Egípcios. Pensar-se-ia que sua alegria cresceria, mas diminuiu. Era suficiente saber que seu filho estava vivo, bastava isso, mas ele se afligiu ao saber que ele reinava. Esta segunda novidade foi uma correção para a primeira. Ele descobriu que a Grandeza, que quase sempre tem como companheira a licenciosidade, não mudou as boas inclinações de seu filho e não corrompeu a integridade de seus costumes. Ele tinha medo de que sua prosperidade fizesse com que sua inocência se perdesse. Ele tinha motivos justos para temer que a Fortuna o provasse com seu ódio e seus favores, como normalmente ela faz; que ela não lhe fosse propícia e que, segundo seu costume, ela só o tivesse elevado para o fazer precipitar-se. Ele não pôde, talvez, receber separadamente essas duas notícias sem sucumbir à alegria ou à tristeza, sendo que esta última moderava a primeira. Assim, ele evitou os inconvenientes nos quais ela poderia fazê-lo cair também.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 103-105.