terça-feira, 4 de janeiro de 2011

I Preceito particular contra a opinião - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
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PRECEITOS PARTICULARES CONTRA A OPINIÃO
PRIMEIRO PRECEITO
QUE é preciso premeditar os males

CAPÍTULO PRIMEIRO
Mas, seria inútil pretender conquistar a Verdade sem nunca chegar a ela, deixando imperfeita a ruína do Império da Opinião, sua perpétua inimiga, e não tendo todos os cuidados necessários para nos libertarmos de uma tão cruel servidão. Mais atrás, nós nos instruímos acerca dos meios infalíveis para nos livrarmos dos males que ela nos suscita. Podemos dizer que nossa cura está, de agora em diante, em nosso poder. Mas, como os remédios que se tomam em plena saúde por precaução e tão somente para se confirmar na saúde são mais agradáveis do que aqueles que são aplicados na doença, por necessidade; como o soldado só espera se armar quando está no campo de batalha e na presença do inimigo; e como é próprio de um sábio Capitão não dormir durante a trégua, mas se fortalecer e se munir de tudo o que lhe for necessário para se defender; também nós devemos empregar a pausa que recebemos da Fortuna para nos colocarmos em condições de tornar inúteis seus esforços que virão; pensando, durante o tempo em que ela nos tratar bem e nos acariciar, nos truques, nas injúrias que ela nos pode infringir; formando, durante a calmaria, a imagem da tempestade; prepando-nos e nos esforçando para a nossa salvação; da mesma maneira que quando ela está próxima, e como se estivéssemos a ponto de sermos atingidos por ela. Praticaremos, aqui, a máxima que um Sábio da Antiquidade nos deixou [no original latino, Nieremberg também não nomeia este "Sábio da Antiguidade", apenas cita um longo trecho do referido autor; ndt]: premeditar cuidadosamente os males, persuadindo-nos de que eles são feitos para nós, bem como para o resto dos homens, crendo firmemente que não há mal algum que não possa nos atingir nesse exato momento. Se estivermos em viagem, preparemo-nos como se estivéssemos em nossa casa e, nisso, encontraremos alguns motivos de dor – o incêndio ou a ruína de nossa casa, a morte ou a doença de nossos filhos, a perda de nossos bens, a perda daquela querida pessoa em posse de quem nós nos consolávamos de nossas perdas; numa palavra, coloquemo-nos na condição de quem caiu numa dessas infelicidades. Perguntar-se-á, para que serviria isso? Que vantagem poderíamos esperar de um pensamento tão triste? Certamente este: que é muito interessante estarmos preparados para receber, sem incômodos maiores, todo tipo de acidente; preparados a não achar nada estranho ou novo, em meio às mais duras desgraças que possam nos atingir; vermo-nos felizmente enganados por outro evento que não imaginaríamos que poderia ter acontecido; e finalmente tomarmos como ganho tudo aquilo que virmos acontecer para além do que esperávamos que pudesse acontecer. São estas as vantagens que essa premeditação nos produzirá. Ela nos servirá de muralha contra os mais violentos assaltos da Fortuna; por este meio, nos tornaremos capazes de nos defendermos contra ela; e todos os males que ela no suscitar nos serão muito pouco sensíveis, porque já nos serão conhecidos antecipadamente. Assim, portanto, praticando felizmente esta precaução, não correndo o risco que correm aqueles que se deixam surpreender pelo inimigo e facilitam, por seu descuido, sua própria perda, teremos o cuidado em todos os nossos desígnios de considerar seriamente de onde podem derivar os maiores problemas. Praticaremos, nesse ponto, aquilo que se faz na guerra: enviaremos nossos pensamentos adiante de nós, para fazer um reconhecimento do campo inimigo; nos dedicaremos a descobrir os inconvenientes que podem nos atingir. A Fortuna é exata, é regular em sua inconstância e em suas mudanças. Sem dúvida, somos todos – em todo o mundo – sujeitos a isso. Quando ela quer fazer o bem, ela se propõe a poucas pessoas; mas, quando ela quer fazer o mal, ela tem todos os homens como alvo. Dediquemo-nos, portanto, cuidadosamente para nos garantir desses males nos quais sua malícia e sua ligeireza poderiam nos fazer cair; não sejamos tão frágeis a ponto de crer que ela nos isenta deles, ou que ela tenha por nós algum respeito que ela nunca teve por alguma pessoa. É preciso mais esperar os efeitos de sua ira; e para não os achar estranhos, é preciso tê-los por infalíveis. Se não vemos segurança naquilo que queremos empreender; se, pelo contrário, as dificuldades nos parecem extremas nesses casos; se o perigo é evidente; guardemo-nos de cometê-lo sem uma necessidade absoluta, e naqueles momentos em que não teremos nenhum lugar para nos defender. Pode haver loucura maior do que fundar a esperança de um feliz sucesso sobre a malignidade da Fortuna, abertamente declarada nossa inimiga? Somente aqueles que não são sábios ou que se entediam com a vida, embarcariam num navio que fizesse água por todos os lados e que estivesse visivelmente a ponto de ir à pique. Certamente, é estar fora de si colocar-se voluntariamente em perigo. É uma das coisas das quais Catão se acusava. Ele se arrependia de ter feito, por água, o caminho que ele poderia ter feito por terra. Quer dizer que é necessário, sempre, tomar o partido mais certo, e manter a rota mais segura. Sem dúvida, não devemos nos aventurar por caminhos em que não seríamos capazes de evitar o perigo; e não devemos crer que um perigo é menor porque alguém conseguiu, fortuitamente, escapar; mas tão somente se for necessário que nos exponhamos a ele. Ora, é suficiente para isso que tenhamos algum respeito pela Virtude, cuja consideração é a coisa mais forte que poderia tocar uma alma generosa; então, certamente, não precisamos temer nada e não temos motivo para perder a coragem. É preciso que ajamos, nesse caso, com resolução e alegria; mas com luz e conhecimento, não com movimentos cegos e com uma impetuosidade brutal como acontece com aqueles que se jogam num precipício. É preciso, seriamente, imaginar as infelicidades futuras, premeditá-las, considerá-las com uma vista tranquila e segura, a fim de nos formarmos o hábito de não as temer quando elas nos chegarem, e para que elas nos sejam menos formidáveis quando se nos apresentarem. Diz-se que a Leoa, defendendo seus filhotes contra aqueles que querem levá-los, olha fixamente as lanças com as quais a atacam; fixa seus olhos nelas para não ficar assustada. A Virtude é muito mais generosa: não apenas ela faz com que pousemos nossa vista firmemente sobre as infelicidades, e as consideremos sem incômodos, como também ela nos levanta o coração junto com a fronte, ela nos arma contra elas, ela nos dá a força para vencê-las, dando-nos a habilidade para prevê-las; ela nos faz mesmo ir à frente delas; e como ela está absolutamente fora do poder da Fortuna, e visto também que ela não teme suas mudanças e seus caprichos, ela espera com constância todas as coisas e tira esta vantagem de sua espera: não se admira por nada, nada que lhe aconteça surpreende ou é uma novidade. Qualquer um que tenha chegado a este ponto, pode se gloriar de ter atingido o cume da Sabedoria.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 491-496.

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