quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Oitavo preceito - Capítulo V

CAPÍTULO V
Além do mais, como o conhecimento de Deus nos confere a maravilhosa vantagem de não ficarmos descontentes na estima das coisas; como ela nos serve, nisso, de luz e de guia, sem dúvida, esta estimação mesma das coisas nos servirá de aguilhão; e, ao mesmo tempo, será uma grande ajuda para nos excitar e nos levar ao conhecimento de Deus. É através disso que as coisas, perdendo a aparência e o lustro sobre o qual se sustentam e que a Opinião lhes empresta, condenam-se a si mesmas suficientemente, se mostram bastante indignas de nossa afeição e de nossa estima, e nos fazem ver que elas merecem mesmo é nosso desprezo. Certamente, nosso espírito não seria capaz de se elevar ao Céu e se aplicar na contemplação das coisas divinas sem se separar da matéria, sem se divorciar do corpo, e, para dizer mais claramente, sem desprezá-lo. Sendo que não há nenhum caso contrário quanto a isso, em seguida, será infalivelmente necessário que quem chegou a este alto ponto de Sabedoria não se vincule a seu corpo, não tema a morte em nada, não ame nem busque as delícias, tanto menos aquilo que as produz e as mantém – as Riquezas. Como sabemos que nosso corpo é um perpétuo obstáculo para o conhecimento da Verdade, envidaremos todos os esforços possíveis para nos desembaraçarmos dele; vamos lutar ainda para romper todo comércio com ele, visto não ignorarmos que ele a causa dos males que cometemos e daqueles que nos é necessário suportar, dos males que vêm de nós e daqueles que vêm da Fortuna. Sabemos que as guerras e as desordens que existem entre os homens são feitas por causa das riquezas; sabemos que é por causa da posse do Ouro que os homens empregam o ferro para sua ruína comum; sabemos que elas causam as rapinas e as violências que eles exercem uns contra os outros. Não ignoramos também que as riquezas são para o corpo. Se, portanto, desprezamos este, por que estimamos aquelas? Pelo desprezo das riquezas, adquirimos dois bens inestimáveis, a inocência e a liberdade; tornamo-nos Mestres de nós mesmos. E, a partir disso, conseguiremos nos devotar fortemente à contemplação das coisas divinas; através dela [dessa contemplação; ndt], possuindo o Céu, e às vezes possuindo até mesmo a Deus, não teremos mais nem paixões nem sentimentos pelas coisas, as estimaremos pouco, visto que, sem elas, seremos soberanamente satisfeitos e felizes. Ora, sendo que isso é o objetivo a que todos visamos, sendo que não a ninguém que não aspire à felicidade, e sendo que ela é o alvo comum de todos os homens, ser-nos-á muito fácil chegar até a ela, desde que coloquemos em prática aquilo que este discurso e os precedentes acabaram de nos ensinar. Dediquemos, portanto, nisso, todos os nossos cuidados; empreguemos, nisso, toda a nossa força; visto que este é o trabalho mais nobre, o mais importante e o mais necessário com o qual poderíamos nos ocupar [no original latino, Nieremberg termina o terceiro livro do De Arte Voluntatis citando uma frase de São Paulino de Nola: “Nihil de mundi sumere censu / Mens opulenta Deo voluit”; ndt].

Fim do Terceiro Livro.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 548-550.

Nenhum comentário:

Postar um comentário