quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

I Preceito particular contra a opinião - Capítulo IV

CAPÍTULO IV
Portanto, é preciso premeditar os males, tanto para que não nos deixemos surpreender pela aparência daqueles que o Entendimento, seduzido pela Opinião, nos apresenta, quanto para nos prepararmos para receber os outros sem incômodo e não ficarmos assustados quando eles chegarem a nós. É preciso tratá-los com os eventos humanos, e fazer um pacto com eles para a segurança de nossa alegria, para que ela não seja alterada em nada; tê-los perpetuamente presentes ao espírito, meditar sobre eles seriamente, e nos mantermos sempre muito bem preparados para recebê-los. Escutemos, a este respeito, os Estoicos, que são os mais capazes para nos aconselhar a este respeito e nos conferir salutares habilidades: “Seja lá o que fizermos, é preciso examinar sempre com muita atenção, estudar cuidadosamente as consequências e as circunstâncias. Meditamos sobre uma viagem? Pensemos na pena e nos perigos que, ordinariamente, acompanham tais empreendimentos; coloquemo-los todos diante dos olhos; os incômodos e as fadigas que poderemos sofrer no caminho. E, quando algum deles nos chegar, digamos dentro de nós mesmos: eu não fui surpreendido de forma alguma com este encontro; por mais incômodo que ele seja, não atrapalha a tranquilidade de meu espírito. Quero conservá-la em meio aos mais desconhecidos acidentes; isso é o que eu me proponho soberanamente onde quer que eu esteja; é o objeto principal para o qual estou sempre visando; só me afastarei dele se sentir desgosto diante daquilo que me acontecer; não realizarei minha intenção apenas se me deixar levar pela impaciência e pela cólera”. Não há nada, até mesmo as ações particulares e menos importantes, em que esta precaução não deva ser absolutamente guardada, e na qual não sejam necessárias paciência e firmeza. Par isso, nos ajudará maravilhosamente, sem dúvida, o cuidado que tomamos em nos instruirmos acerca da condição das coisas nas quais ligamos a nossa afeição e que servem para o nosso prazer. Nós nos lembraremos que não há nada que dure muito, não há nada que não decaia ou que não pereça. Se amamos um vaso de cristal ou de barro, pensemos que ele é feito de uma matéria muito frágil; e será sem dor, ou pelo menos sem surpresa, que nós o veremos quebrado. Amando nossos parentes e nossos amigos, pensemos que tudo aquilo que teve um começo e que nasceu, deve ter um fim, deve morrer; é uma lei e uma necessidade, que não têm nem exceção nem dispensa. Aquele Filósofo a quem foram dizer que seu filho havia morrido soube muito bem colocar esta regra em prática [no original latino, Nieremberg cita nominalmente o filósofo Anáxagoras (c. 500 a.C. – 428 a.C.), afirmando que este filósofo, com este evento, comprovava o que fora dito por Epícteto (55-135) e por Eurípedes (c. 485 a.C. – 406 a.C.); ndt]. Ele não se afligiu em nada, não lançou nem suspiros nem lágrimas. Ele apenas disse: eu já sabia que ele havia sido concebido como um mortal. Esta mesma consideração manteve a constância de muitos homens excelentes em situações semelhantes [no original latino, Nieremberg cita: Péricles (c. 495 a.C. – 429 a.C.), Marco Calpúrnio Bíbulo (? – 48 a.C.), Quinto Fábio Máximo (? – 45 a.C.) e Lúcio Emílio Paulo (? – 216 a.C.); ndt]. Foi esta mesma consideração que os armou e os fortaleceu contra a dor que poderia lhes ser dada pela perda de seus filhos e de outras pessoas que lhes eram caras. Eles não precisaram de nenhuma advertência para saber que Deus, que dá a vida, pode tirá-la quando bem entender; da mesma forma que uma pessoa que empresta algo tem o direito de retomá-la todas as vezes que bem lhe parecer. Eles não se pegaram nem com o Céu nem nem com a Natureza, pois sabiam muito bem que nem um nem outra eram culpados por aquilo que os fazia sofrer; sabiam que não há motivo para imputar a eles a causa de nossa dor; mas que se deve imputar tão somente a nós mesmos, que vivemos no esquecimento e na ignorância daquilo que somos, que nos entretemos com uma imaginação vã de não sermos sujeitos à fatalidade da tumba. Assim, nossa credulidade nos engana e nos trai; somos atingidos antes mesmo que pensemos sê-lo. Certamente, ignorar que somos enfermos e mortais é uma grande loucura não se lembrar, ou nem sequer pensar nisso, é uma extrema fraqueza; mas, trata-se de uma impudência insuportável nos incomodarmos com isso e nos pegarmos com que nos fez isso. Outro grande personagem levou seu pensamento ainda mais longe do que o pensamento desse Filósofo e o encheu com sua sabedoria [no original latino, Nieremberg cita nominalmente o filósofo Xenofonte (c. 431 a.C. – 354 a.C.); ndt]. Como lhe disseram que seu filho havia morrido, ele tirou de sua cabeça a coroa de Sacrificador. Mas, como lhe disseram que ele havia morrido valentemente numa bela ocasião na guerra, tendo se enchido de honra, ele a retomou e não somente testemunhou consolação, mas também alegria; e a testemunhou com muito mais justiça, pois, com isso, dizia que não havia nascido apenas para viver, mas para viver com honra e adquirir glória; por isso, havia colocado no mundo filhos e, por isso, ele entendia que havia atingido seu objetivo e havia possuído seu desejo.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 503-506.

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