quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Oitavo preceito - Capítulo III

CAPÍTULO III
Mas, por que tardamos tanto a dizer em alto e bom som? Todo aquele que conhece a Deus, infalivelmente se tornará sábio; quem for sábio, zombará dos enganos que a Opinião introduziu e autorizou entre os homens; ele rirá das falsas persuasões que ela lhe colocou no espírito. Não será mais possível dissimular; esta inimiga perigosa do bom senso e da Razão os seduziu e corrompeu a todos; ela os possui, e os domina; quase não há ninguém que possa se dizer isento de suas imposturas e de sua tirania. Queremos provas maiores do que suas ações públicas e ordinárias? Do que ver que eles afetam com adornos e ornamentos aquilo que, por seus sentimentos, se transforma em desonra; aquilo que sobrecarrega e incomoda? Do que ver que eles empregam as marcas da miséria para representar sua felicidade? Estranha e deplorável loucura! As pessoas de condição não apenas livre, como também felizes; aquelas que não somente não dependem dos outros, mas de quem muitos outros dependem; os Grande e os Ricos se sobrecarregam de correntes; eles não têm vergonha de rebaixar tanto a ponto de se tornarem escravos voluntariamente, privando a si mesmos da liberdade, do maior bem que recebemos da Natureza. Eles não enrubescem com a infâmia de sua servidão, porque suas correntes são de ouro; como se não fosse não ser mais escravo estar amarrado por ouro ao invés de por ferro; e como se as cadeias não fossem mais estreitas e fortes do que são brilhantes e preciosas. De qualquer forma, nisso, podemos dizer que eles são razoáveis, ao condenar publicamente sua loucura e se punirem por sua avareza, acorrentando-se por suas próprias mãos, como se fossem criminosos ou pessoas estão fora de si. Um deles, cuja loucura era mais ambiciosa que a dos outros, tendo sido, um dia, encontrado por um homem galante, lhe ofereceu motivo para fazer esta zombaria: “O resto dos loucos se deixa prender por uma única corrente, mas, no caso desse, são precisas muitas correntes” [no original latino, Nieremberg se refere a um certo Nicolau, de quem não conseguimos maiores dados; ndt]. Há aqueles a quem não apenas o ouro acorrenta, como prega; que se vangloriam de serem perfurados, terem as orelhas rasgadas, e que gostariam muito bem de poder introduzi-lo em outras partes do próprio corpo. Que Tirano bárbaro e tão cruel [no original latino, Nieremberg nomeia como exemplo de homem perverso e cruel o tirano Fálaris (?-554 a.C.), que instaurou o Touro de Perilo como instrumento de tortura; ndt] poderia praticar um meio mais estranho para fazer parar e reter os culpados? Quem mais poderia ter inventado a ideia de inserir as cadeias em seus membros? Quem mais poderia ter pensado em misturar e confundir as cadeias na carne e no sangue dos culpados? É isso que a avareza faz, mais cruel e engenhosa do que todos os Tiranos juntos; seguramente mais cruel; visto que, não estando contente em nos amarrar o corpo, ele nos amarra também a alma; ela nos sujeita justamente a partir daquela parte que se conserva livre em meio às mais duras provações. Estas mesmas pessoas tiram vantagem da riqueza e da pompa de suas roupas; elas fazem consistir nas roupas a sua glória. Mas, eu vos pergunto, sobre o que elas estabelecem a sua glória? Sobre um fundamento certamente muito vil e frágil, sobre o restolho vomitado por um verme, sobre o pêlo supérfluo que foi arrancado de um animal, sobre fios de seda e de lã, tecidos sutilmente e delicadamente trabalhados. Muitas vezes, chega-se mesmo a este extremo engano de julgar, através disso, os homens; de medir a nobreza e o mérito pelo seu vestuário; e, sendo mais ou menos rico, de estimar mais ou menos a pessoa que o veste. Recebemos a custa de nada e sem pena alguma a pura e a natural claridade do dia; a luz do Sol não nos custa nada; e aceitamos comprar a preço muito alto o brilho que, se não for falso, é pelo menos duvidoso, de uma pedra preciosa. Não há nada de mais belo do que o azul do Céu, que a verdura dos campos; e preferimos, no entanto, a estas duas cores, tão vivas e brilhantes, um pedaço de pedra que só tem uma tintura que representa aquelas cores tão imperfeitamente. Um engano semelhante colocou a honra em meio à abundância dos bens; ligamo-la à posse de riquezas. Disso procede que aqueles que têm muito recebem o respeito e a submissão de todos; são o objeto da reverência pública e são considerados com veneração. E, para vós, quem são essas pessoas a quem rendemos respeito e submissão? Àqueles que sabem muito bem que não são dignos; àqueles que não ignoram que os avaros são abjetos e vis; àqueles a quem tudo o que se faça para honrá-los não os toca de forma alguma e é incapaz de tirar um centavo que seja de suas mãos. Numa palavra, àqueles que esperam que nada escape dele, de uma tão grande e vasta fonte. No entanto, são honrados como pessoas de excelente mérito, se não for apenas pelo fato, talvez, de crermos que eles têm tanto, a ponto de ter impedido, pelo ardor de deglutir o bem, que outros o tivessem adquirido, e não se tornassem malvados e injustos como eles; ou, quem sabe, sejam dignos de estima, por terem agido no sentido da salvação de outros, perdendo a si mesmos. A Opinião não nos deu mais verdadeiros sentimentos da morte do que do restante das coisas, no-la tendo apresentado como má, visto que ela [a morte; ndt], por si mesma, não o é de forma alguma, e somos somente nós que a tornamos assim. Nós nos enganamos sem dúvida ainda mais quando a imaginamos dura e terrível, porque, algumas vezes, ela é inesperada e repentina; e baseados nesta falsa persuasão, tememos o ferro, ficamos com medo do relâmpago. Certamente, teremos muito mais motivo para temer uma fruta crua; um cogumelo, um melão que nos causam cólica e, nos causando uma doença, prolongam em nós o sentimento da morte e, disso, nos faz acreditarmos que ela seja mais incômoda do que realmente é; enquanto que um golpe de espada, um raio, ao nos darem a morte logo, no-la dão sem dor e não nos deixa sentir mal algum. E, eu vos pergunto, quem é que não prefere engolir prontamente um remédio para não ter que sentir seu amargor? É ainda um engano deplorável estimar a vida mais pelos anos do que pelas obras; pela longa duração do que pelas boas ações. E este engano nos causa a tristeza extrema de não ver chegar inesperadamente a morte; de sermos surpresos antes que tenhamos tempo para pensar nisso; antes que tenhamos nos preparado para recebê-la. O mais ordinários e mais violento de nossos desejos é gozar a vida por muito tempo. E negligenciamos incessantemente as coisas que, sendo praticadas, causarão o efeito desse desejo. Queremos viver eternamente, e nunca pensamos naquilo que é preciso para isso; ou só pensamos para protelar isso, dia após dia. Deixamos para começar a viver, quando a morte já está à porta, quando já não somos mais capazes de fazer não apenas o bem, como também o mal; quando as forças do corpo e do espírito, vindo a falhar, nos deixarão inábeis para a Virtude, como também para o vício. Sem dúvida, possuímos a menor porção da vida; elegemos aquela porção que é a pior. Nós nos lamentamos da prontidão e da subtaneidade com a qual o tempo passa; mas não fazemos nada mais voluntária e ordinariamente do que perdê-lo. Dizemos que é muito curto; mas nos enganamos, pois ele não é curto de forma alguma; ou, se o for, é apenas por causa do pouco cuidado que temos em bem empregá-lo. Não arrumemos desculpas quanto a isso; a vida dura o suficiente, ela é suficientemente longa, para quem não é ocioso. Queremos começar a bem viver quando não temos mais tempo para isso, quando está na hora de pensar em bem morrer, quando já estamos na velhice. Certamente, se formos sábios, pensaremos nela antes que ela chegue; e quando ela tiver chegado, nossos pensamentos serão todos destinados para nos prepararmos para a morte.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 539-544.

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