CAPÍTULO II
Além do mais, colheremos um duplo fruto desta premeditação. Ela nos dará o meio para nos protegermos das infelicidades e os afastará de nós; e se nos for necessário sofrê-las, ela nos fornecerá o bem de sofrê-las com paciência. Sabemos qual é o proveito que um Sábio da Grécia tirou do fato de ter previsto a fertilidade do ano [no original latino, Nieremberg cita Tales de Mileto (c. 624 a.C. – c. 558 a.C.); ndt]. Certamente, não é menor o proveito que vem da previsão da esterilidade da Fortuna, os poucos bens que temos que esperar e os espinhos que ela nos prepara. Nisso, encontraremos motivo para nos enriquecer muito mais do que aquele Filósofo. Com essa habilidade, adquiriremos o que há de mais precioso na vida, uma soberana tranquilidade. Assim como não é difícil evitar uma flecha quando a vemos chegar, sobretudo quando vem de longe, seremos capazes de nos garantir facilmente das afetações da Fortuna, quando as premeditarmos; não seremos ofendidos de forma alguma por elas, porque não seremos surpreendidos. Se for necessário que as infelicidades nos atinjam, ou se for impossível desviá-los de nós, pelo menos esta vantagem permanecerá conosco: tendo-as previsto, nós as enfraqueceremos. Da mesma forma que a água do mar se corrige e adoça passando pela terra, também é certo que, passando por nosso espírito, amassaremos a ponta de suas lanças e corrigiremos sua amargura. De onde vem, eu vos pergunto, que o tempo cura as dores mais violentas? Que ele seja o Médico dos mais duros incômodos? Que ele tenha remédios para os males que aparentemente parece não ter remédio? Sem dúvida é porque eles nos são sempre presentes, porque eles estão continuamente em nosso pensamento. Conhecemo-los, habituamo-nos a eles de forma que nos esquecemos o quão duros e terríveis eles são; nós nos acostumamos a eles; e a experiência explica por que não os sentimos mais, depois de os sentirmos por muito tempo. Assim como uma conversação muito livre diminui o respeito, também a familiaridade que temos com os males diminui em nós o respeito e arranca de nós a apreensão; e assim o uso faz em nós aquilo que a razão deveria fazer. A longa meditação é, para o Sábio, aquilo que o longo sofrimento é para o comum dos homens. Podemos pensar que ele [o Sábio; ndt] tenha sofrido os males sobre os quais ele tenha frequentemente pensado. Parece não apenas que ele tenha experimentado aqueles que poderiam lhe chegar, como também aqueles que podem chegar a outros; ele faz uma experiência geral, que o prepara para todo tipo de eventos, e de onde ele recolhe este excelente fruto que é o fato que, seja lá o que lhe acontecer, ele não achará nada infeliz e não se surpreenderá com nada. Ele disse: “Isso não me surpreende; este acidente, por mais infeliz que seja, encontrou-me pronto para recebê-lo; eu já o havia previsto há muito tempo; ele já estava em mim e não me chegou inopinadamente; eu não fiquei incomodado”. Eis o quão rara é a vantagem que lhe vem de sua premeditação. E certamente os males nos parecem muito maiores quando eles não nos dão tempo para considerá-los, e quando somos atacados por eles antes de que estivéssemos na defensiva. Com isso, nossa dor cresce pelo lamento que advém de nossa imprevidência. Afligimo-nos ainda mais quando pensamos que nossa infelicidade é fruto de nossa falta, quando nos damos conta de que poderíamos nos ter protegido e que estava em nosso poder evitá-la. Sem dúvida, as mudanças repentinas não causam menos mal ao espírito do que ao corpo; ele sofre muito com os ataques imprevistos. A Soberana Sabedoria que concedeu uma tão maravilhosa ordem a todas as coisas, e a concedeu para o bem do homem, não achou bom que ele tenha passado de um contrário a outro, e que não houvesse distância entre o inverno e o verão – não saímos de uma só vez do rigor daquele para os ardores deste; somos preparados através da doçura da Primavera, como de um temperamento necessário, para que nossa saúde não seja incomodada. A premeditação dos males nos prepara da mesma forma para sofrer sua violência; e disso recolhemos esta rara vantagem de não tomar por uma desgraça particular e que só acontece a nós aquilo que vemos acontecer a todos, e que sabemos ser infalível para a condição humana. Somos instruídos, através disso, a não ter por insuportável aquilo que muitas pessoas sofrem, e que é certo que todos os homens, indiferentemente, podem sofrer.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 496-499.
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