terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Sétimo preceito - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
_______________________

SÉTIMO PRECEITO
QUE é preciso nos abster do estudo das ciências vãs e das curiosidades inúteis


CAPÍTULO PRIMEIRO
Visto que nosso desígnio sempre foi de reparar as desordens e as faltas que levam o Entendimento a pecar em relação à vontade, e de fazer esse Ministro absolutamente capaz das funções que essa Rainha espera que ele cumpra; chamaremos atenção, agora, a respeito de suas principais faltas, e em seguida vamos nos dedicar cuidadosamente a corrigi-las. Como se não fosse suficiente que ele se deixasse, de repente, surpreender pelas imposturas da Opinião, agir covardemente na conquista da Verdade, imaginá-la apenas sob Imagens falsas e lânguidas, ele ainda cai na infelicidade de correr atrás de sombras e fantasmas, encher-se de curiosidades inúteis, ocupar-se com especulações das quais, em geral, ele só tira o lamento de não ter encontrado aquilo que procurava, que são sem fundamento e não têm nem certeza nem solidez. Que loucura a nossa! Que nos leva a diverti-lo com empregos tão vãos e tão pouco dignos dele! Que nos leva a ocupar por nada aquilo que nasceu para as mais sublimes e nobres ocupações, aquilo que deve se elevar ao Céu e se ligar a Deus mesmo! Que erro! Aplicarmo-nos com tão grandes cuidados em uma ciência cujo fruto será nos tornar ociosos e preguiçosos! Que nos desviará daquilo que é absolutamente necessário que saibamos, ou seja, conhecer e fazer o bem! Que nos lançará, ou pelo menos nos entreterá na preguiça! O estudo da Virtude não é, de forma alguma, infrutífero, não é vão; é útil, é proveitoso. Para falar mais adequadamente, é não saber nada, saber apenas as coisas que não têm uso algum na vida; ser sabedor daquilo que não serve a nada é muito próximo de ser ignorante; ter vontade de aprender isso é faltar com a capacidade de julgamento e de razão, é não ser sábio. Não fingiremos em dizer que a ciência inútil não apenas não é boa, como também é má e perniciosa. E, ainda mais, ela é um obstáculo para aquela de que realmente tiramos proveito; ela nos torna negligentes na prática do bem, e nos faz, finalmente, cair no desprezo de nossa salvação. Sem mentir, o saber que só é bom para passar, e como se diz, para mandar, para enganar o tempo, é suficientemente falso e enganador. Seria entender mal o preço e a dignidade da ciência, pensar que ela só sirva para o deleite do espírito; ela não é feita somente para recreá-lo, mas também para curá-lo; seu verdadeiro uso não é para dissipar a dor, mas para corrigir o vício; ela não nos deve ser um divertimento, mas um remédio. Existirá algum doente que busca mais o prazer do que a saúde? É preciso que nos preparemos para a vida, da mesma forma como nos preparamos para uma viagem; visto que nós somos todos viajantes nesse mundo, e tudo o que fazemos é passar por aqui para irmos ao Céu. Não temos que nos sobrecarregar com equipamentos preciosos, mas tão somente do mais útil e do mais necessário. É preciso nos prover de salutares conhecimentos, que nos preservem dos ultrajes da Fortuna, da mesma forma como nos provemos de roupas que nos garantem das injúrias do ar. É ser sábio ao mais alto grau compreender a maneira de bem empregar o tempo, saber administrá-lo, não perder nenhum momento sequer, empregar até a menor parte de tempo; assim como conseguir impedir a sua prontidão e a sua ligeireza através da constância e da firmeza de nossa dedicação. A ciência tem como objetivo as coisas úteis e honestas; ela é do mesmo nível e obra mesma da Virtude. Ora, ela decai dessa honra, assim como se afasta de seu objetivo, se ela se dedicar a ocupações frívolas e inúteis. A Virtude a repudia e a bane do número das coisas que lhe pertencem; ela a subtrai do seu meio e de sua família, por assim dizer. Sem dúvida, a Sabedoria é o mais precioso ornamento do espírito, é o mais belo, o mais precioso e mais rico adorno. Mas, no entanto, adquiri-la não nos será difícil se quisermos ser realmente sábios, e não nos contentarmos em sê-lo apenas aparentemente; se buscarmos uma virtude real e sólida, e não uma virtude de amostra e de ostentação. As coisas de que realmente temos necessidade não nos custam nada para serem encontradas, se não nos distrairmos buscando aquelas que nos são inúteis. Aquilo que nos é necessário consiste em muito poucas coisas; e a aquisição delas não é difícil. Assim como a Vontade não será mais feliz por desejar muito, também o nosso espírito não será mais satisfeito por saber muito. Esta avareza de conhecimentos não é menos perigosa do que aquela das riquezas de objetos. Aquele é sábio não na medida em que sabe muitas coisas, mas na medida em que sabe aquelas que servem e das quais se tira algum proveito. Aprendamos a viver e não a falar; façamos fundos de boas e salutares ações, e não de belas e delicadas palavras. Protejamo-nos, assim, desse tipo de estudo que nos leva à ociosidade. Apliquemo-nos àquele estudo que produz e que mantém a Virtude; que nos faz conhecer a diferença entre o bem e o mal, que nos faz odiar e fugir deste, que nos faz amar e abraçar a outra.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 526-530.

Nenhum comentário:

Postar um comentário