segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Sexto preceito - Capítulo II

CAPÍTULO II
Quanto aos males cuja amargura passa com o tempo, que os moderou e matou, sem dúvida a lembrança nos será muito útil também; dela colheremos esta infalível vantagem: ressentir bem pouco daqueles que nos afligirem, pela comparação que faremos com aqueles do passado, que só eram tão grandes por causa de nossa Opinião, sendo, às vezes, até mesmo muito menores, não somente por não nos causar nenhuma dor, como também por nos dar alguma alegria, pela segurança que teremos de sofrermos menos e poder sofrê-los com mais facilidade. Através disso, aprendemos que o verdadeiro caráter do Sábio é ser capaz de se lembrar das coisas passadas, se dedicar às presentes e se preparar para aquelas que virão [no original latino, Nieremberg cita, nesse ponto, um trecho de Ésquilo; ndt]. É preciso, portanto, que façamos uma exata consideração sobre o passado, para não cair no inconveniente de perder o inestimável fruto que deve vir disso; e não incorrer na censura de ter envelhecido inutilmente e não ter adquirido conhecimento maior do que aquele com o qual viemos ao mundo. É preciso prever o futuro e nos prepararmos para ele, para não encurtar voluntariamente a nossa vida, visto que viver sem estudar e sem conhecer as coisas futuras é morrer antes do tempo; é cortar, por nossa falta, aquela porção da vida que nos resta ainda. É, para bem dizer, nos encerrar vivos na tumba. Devemos nos lembrar que somos mortais, mas não é necessário que nos imaginemos já mortos. Certamente, se nos preparamos para sofrer, aprendemos a não sofrer. Se estudamos a maneira correta de suportar a infelicidade, nós nos garantiremos e iludiremos nossa miséria. Pensemos que os males que não nos afligem agora e que não estão presentes nesse momento, já estiveram antes, e que alguém já os ressentiu. Pelo contrário, imaginemos que aqueles que nos fazem sofrer hoje, passarão como todos os outros passaram, que, algum dia, eles não existirão mais. Ora, se eles foram vencidos pelo tempo, será que não deveriam ser ainda mais seguramente vencidos pela Razão? Será que ela não é mais forte do que ele? Será que nós acreditamos que ela tenha menos potência do que ele? Tendo colocado no esquecimento muitos males, seríamos muito fracos de nos deixarmos vencer pela apreensão de tão pouco. Como perdemos a memória desses males, não nos será difícil perder o temor. Aqueles que nos acolhem agora não são mais estranhos do que eram aqueles que nos acolheram no passado; o tempo que nos livrou daqueles nos livrará, nos curará destes; eles passarão e irão embora por si mesmos.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 524-526.

Nenhum comentário:

Postar um comentário