quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Oitavo preceito - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
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OITAVO PRECEITO
QUE o conhecimento das coisas Divinas aperfeiçoa o Entendimento


CAPÍTULO PRIMEIRO
Mas, enfim, eis o ponto aonde todos esses preceitos devem chegar; há um que compreende todos; é preciso reduzi-los todos a seu princípio. É do Céu que o Entendimento recebe sua mais alta e mais pura luz; aquela que repara seus descontentamentos; que o traz de volta de sua cegueira; que corrige todos os seus enganos [no original latino, Nieremberg cita nominalmente o político e pensador grego Teágenes (? – c. 480 a.C.); ndt]. É pelo conhecimento de Deus e das verdades eternas que vêm dEle, que é soberanamente esclarecido; é por ele [o conhecimento de Deus; ndt] que o Entendimento chega à perfeição ou a ela aspira. Ele afasta, ele dissipa as sombras e as nuvens que ofuscam a sua claridade; ele é a causa infalível de tudo aquilo que temos de alegria; é dele que vem absolutamente nossa satisfação; é de onde procede todo o nosso bem. Certamente, quem quer que conheça a primeira Verdade é, desde esse momento, perfeitamente instruído acerca de todas as outras Verdades; visto que, para bem dizer, elas são nada mais do que ramos dessa vara, riachos dessa fonte. Esta verdade suprema as produz e as governa. Ela lhes dá o movimento, como a Engrenagem Mestra dá movimento a todas as outras engrenagens. Elas se ajustam a ela como se fosse a sua regra. Ela é a medida das outras e o nível. Diócles, aquele Sábio Filósofo, porém mais sábio pelo estudo e pela prática da doutrina de JESUS CRISTO, do que daquela de Platão e de Aristóteles, disse de forma muito excelente que quem se afasta do conhecimento de Deus se encontra em meio à extrema malícia, ou em meio à extrema estupidez [trata-se de Diócles de Cnido, um filósofo platônico que só nos chegou graças a Eusébio de Cesareia, não encontramos informações precisas sobre este personagem; ndt]; é, para bem dizer, um Demônio ou um animal. Ele [Diócles; ndt] acreditou muito justamente, sem dúvida, sendo – como é – o fundamento sobre o qual se sustentam aquelas coisas que fazem a grandeza e a dignidade do homem – quero dizer, seu Entendimento – ele decai de sua dignidade, perde todas as suas prerrogativas e todas as suas vantagens, não possui mais nada do que possa se vangloriar, se este fundamento lhe faltar; ele cai na baixeza dos animais; ele se torna inferior a tudo o que há de mais vil. Dessa forma, se eleva a revolta da cobiça contra a Razão; dessa forma também, chega a revolta da parte animal contra a parte espiritual; chegam a desobediência e o transbordamento das paixões. Ora, eu vos pergunto, em que estado nos coloca esta desordem? Pode haver servidão mais vergonhosa e cruel do que aquela a que nos reduzimos? O meio infalível para evitá-la é ter o conhecimento de Deus. Ele causa a salvação do Espírito; ele coloca, ele conserva o Entendimento no mais sublime nível; ele lhe faz adquirir uma plena e perfeita luz. Mas, da mesma forma como é preciso ter os olhos sãos, a fim de ver com clareza; como é preciso purgá-los e curá-los de suas manchas e de suas doenças; é preciso, também, purgar nosso Entendimento de suas falsas persuasões e de seus erros; é preciso curá-lo da Opinião, que causa suas doenças e suas manchas; que o impede de agir com conhecimento, que lhe arranca o discernimento e se opõe, sem cessar, à liberdade de suas funções. A isso devemos, sem dúvida, dedicar todos os cuidados, pois é através disso que vemos ou, eu ousaria mesmo dizer, é através disso que vivemos; visto que ele [o Entendimento; ndt] faz a diferença entre aquilo que nos é salutar e aquilo que não o é; pois é ele que, estando são ou doente, nos dá boas e más habilidades; ele mantém o bom ou o mau estado de nossa vida; ele nos faz amar e seguir o bem; ele nos faz detestar e fugir do mal. Assim como é pela claridade do dia que vemos os objetos distintamente, é também pelo conhecimento de Deus que julgamos de forma sã as coisas. Mas, será nossa infelicidade, será nossa malignidade, para bem dizer, estimar menos a visão do espírito do que aquela do Corpo; não nos esquecermos de nada desta última e descuidarmos daquela; achar que é indiferente tê-la como não a ter [no original latino, Nieremberg diz mais literalmente: "Valetudinem corporis ii aestimant, qui carent; sanitatem animi, qui habent", ou seja, "Estimam a saúde do corpo aqueles que são privados dela; a saúde da alma, aqueles que gozam dela"; ndt].

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 533-535.

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