CAPÍTULO III
Agora, ser-nos-á fácil responder ao Filósofo que achava pouco razoável a máxima sobre a premeditação dos males [no original latino, Nieremberg cita nominalmente o filósofo Simplício da Cilícia (c. 490 - c. 560), que era neoplatônico; ndt]. Justificaremos muito facilmente que a objeção com a qual ele pretendia combater essa máxima era frágil e ela mesma pouco razoável. Ele dizia: representar em si os males quando eles ainda não existem, sem dúvida é fazê-los chegar mais cedo, é precipitar a sua chegada. Não somente esta premeditação não nos traz vantagem alguma, como também nos causa pena; ela faz com que soframos antes que nos seja necessário sofrer. E, como se já não fosse suficiente o mal que nos atinge, nós ainda suscitamos em nós mesmos um novo; fazemo-nos infelizes antes do tempo; antecipamos nossa miséria através de nosso pensamento. Será que não nos é suficiente ter problemas com a incapacidade de nos defendermos do mal quando ele chega contra a nossa vontade, e ainda termos que nos atormentar sem necessidade alguma? Será que nossos cuidados não seriam mais felizmente empregados se nos dedicássemos ao menos a diminuir nossa dor, ao invés de nos tornarmos engenhosos no trabalho de fazê-la crescer? O que diremos nós depois de termos ouvido este Filósofo, que nos aconselha a fechar nosso espírito às imaginações tristes e incômodas, e que quer que o tenhamos leve e livre de dores e de tristezas, e que arranquemos dele tudo o que possa lhe causar isso? Não apenas ele não aprova esta premeditação, como também ele a rejeita fundado no fato que, segundo ele, estaríamos, assim, continuamente com problemas, e poderíamos acabar nos resolvendo a nunca saborear a alegria, se fosse realmente necessário que tivéssemos no espírito, incessantemente, a Ideia das infelicidades que nos podem chegar. Certamente, os males são suficientemente sensíveis quando estão presentes. A amargura, que é inseparável de todos os males, quando eles estão presentes, nos é muito incômoda, sem que precisemos pensar nela antecipadamente e nos atormentemos fora de época. Se o mal não nos chegar de forma alguma, quão grande terá sido a nossa pena de nos termos atormentado sem necessidade? Quanta dor verdadeira sentiremos por termos sentido uma dor falsa e sofrido tão inutilmente? Eu vos pergunto, para que nos afligir sempre e nos condenarmos a uma perpétua miséria, seja pelo necessário sofrimento dos males, seja por esta importuna e cruel premeditação? Estes dois Filósofos pretendiam, assim, convencer acerca do erro dessa máxima [no original latino, Nieremberg cita também o filósofo Epicuro, e estranhamente o tradutor não faz referência a ele até a este ponto do texto; ndt]; mas, evidentemente, eles não se convenceram a si mesmos ao não considerarem que há muita diferença entre representar os males dentro de si, na preocupação e no incômodo do Entendimento e pintá-los de capricho e fragilidade para sentir medo deles, e representá-los com um espírito firme e tranquilo, para estudá-los e conhecê-los; de forma que seja possível se determinar firmemente a crer e saber verdadeiramente se são males ou não. Nisso, esta premeditação é excelente, visto ser por meio dela que fazemos este estudo e desmascaramos as coisas, arrancando delas esta aparência terrível que nós as fazemos ter. Assim, não apenas não se trata de fazer crescer o número dos males que é necessário que soframos, mas é diminui-los muito, é colocarmo-nos em uma situação tal que não nos permita sermos surpreendidos pelas imposturas da Opinião que, ordinariamente, nos alarma falsamente e oferece-nos matéria de temor onde só deveria haver motivo de desprezo. Numa palavra, trata-se de evitar felizmente todo o incômodo e toda a pena que ela nos suscita. Premeditando desta maneiras os males, tornamos infalível uma ou outra dessas vantagens, quais sejam: não encontrá-los onde imaginamos que poderiam estar e, se eles aí estão efetivamente e se é impossível nos defendermos deles, que pelo menos só sejamos atingidos levemente por eles. Dessa forma, nós os amolecemos na medida em que os consideramos; corrigimos sua amargura e enfraquecemos sua Violência. O que sabemos nós se o cuidado de estudá-los nos trará alguma daquela alegria de nos protegermos deles? Ou alguma habilidade para isso? Mas, se fossemos tão infelizes a ponto de que esta premeditação nos fosse inútil; se não pudéssemos nem evitar nem diminuir os males, então, certamente, haveria motivo para escutar o aviso do último desses dois Filósofos, que nos aconselhava a desviar nosso espírito dos pensamentos tristes e incômodos, visto que não nos virá outro fruto da premeditação de nossa miséria além da antecipação dela e do crescimento de nossa dor. Sem dúvida, é importante que aqueles que ainda não adquiriram a glória de uma constância experimentada contra os assaltos da Fortuna, não parem seu pensamento sobre os males presentes ou sobre os passados; sobre as chagas que sangram ainda e que ainda não cicatrizaram; para que uma muito grande apreensão de sucumbir ante os ataques desta poderosa inimiga não as faça desconfiar de suas próprias forças, quando ele vierem ao nosso encontro junto com ela [a Fortuna; ndt]; e não as desencoraje da prática do excelente remédio que nós lhes preparamos para encontrar os males menos rudes e menos excitantes. Será suficiente que algumas vezes eles se proponham aqueles que lhes podem chegar; para que, como os novos soldados que se endurecem nas ocasiões menos perigosas, eles adquiram pouco a pouco essa coragem e essa firmeza necessárias para os grandes combates. Fique certo, portanto, que é indubitável que considerar sem medo os males é desarmá-los, é aniquilá-los. Da mesma forma que ver uma flecha vindo de longe é conseguir evitá-la facilmente; assim também será como que tornar leve a ferida e fazer com que não seja mortal.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 499-503.
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