CAPÍTULO III
O soldado, em meio à guerra, o que mais espera além das feridas? O que mais poderia esperar além de golpes, um Atleta que está no liceu? Mas, as Armadas escaramuçam antes de se encontrarem no campo de batalha; elas fazem como que ensaios de suas forças antes de combaterem seriamente. Não se tira da bainha a espada que não se sabe usar; não se vai ao campo, se antes não se esteve nos lugares de esgrima. A Fortuna é uma poderosa e perigosa adversária contra a qual devemos combater; temos que esperar dela apenas feridas; mas, antes de entrar no combate com ela, é preciso que aprendamos a nos defender de seus golpes, é preciso que saibamos a forma de nos desviarmos e de nos defendermos. Um Ateniense tendo que se bater num duelo contra um Coríntio, e que se cria muito inferior em força e em habilidade ao rival, pintou-o para si mesmo tão furioso que parecia que ele nunca poderia dar conta. Quando eles se apresentaram um ao outro, vendo-o muito menos terrível em pessoa do que havia pintado, e muito inferior àquilo que ele se havia figurado do rival, ele não teve nenhuma apreensão e se tornou corajoso até ao ponto de não ter dificuldade alguma para vencê-lo [no original latino, Nieremberg não refere esse fato; ndt]. Outro, não podendo se persuadir de ir à guerra, porque havia pensado nos perigos tão grandes e tão frequentes da guerra, a ponto de imaginar que sempre se morre na guerra e que toda e qualquer flechada derruba todo e qualquer homem, tendo se desenganado através de uma experiência contrária, tirou esta vantagem de seu erro: se não a vantagem de desprezar o perigo, pelo menos a de não o temer [também esse exemplo não consta do original latino; ndt]. Devemos pintar a Fortuna para nós da forma mais furiosa e temível que ela possa ser, para que não nos assustemos com ela quando se apresentar diante de nós, e para que adquiramos a coragem através da diferença que encontraremos entre aquilo que pensamos e aquilo que ela é verdadeiramente. Da mesma forma como acontece na prática que temos com os animais mais selvagens, a verdade é que, lidando com eles, eles se tornam tratáveis e familiares. Da mesma forma acontece com o objeto mais desagradável e hediondo: ele deixa de sê-lo e não nos dá mais medo quando nós o temos frequentemente diante da vista. Não teremos medo algum dos males que uma séria premeditação nos tiver frequentemente representado. Sem dúvida, aquilo que eles têm de terrível, não o é; eles o retiram de nossa Opinião; é somente ela que lhes dá esta aparência e esta máscara que nos assusta [no original latino, Nieremberg termina essa argumentação dizendo: “Hanc merito Lamiam vocavit Socrates”, que poderia ser traduzido assim: “esta mereceu ser chamada, por Sócrates, de Lâmia”. Trata-se de uma referência a um monstro da mitologia grega, que tem bela aparência, mas ataca os jovens e lhes suga o sangue; ndt]. A armada do último Rei da Macedônia que foi vencida e levada em triunfo pelos Romanos, perdeu inteiramente a coragem à vista de uma grande obscuridade que cobriu repentinamente o Céu e fez como que uma noite em pleno dia [no original latino, Nieremberg, nomeia a armada de Perseu; ndt]. Os Romanos, pelo contrário, que já haviam sido avisados por seu Capitão da causa desse efeito, que era apenas uma falta da luz do Sol por causa da interposição da Lua entre ele e a Terra, não somente não se alarmaram, mas souberam muito bem fazer bom uso dessa situação. Por um acidente semelhante, e por uma ignorância semelhante acerca da causa que o produzia, a Armada de Nícias [trata-se do general ateniense Nícias (c. 470 a.C. – 413 a.C.), que atuou na Guerra do Peloponeso; ndt], um dos maiores homens da Grécia, tendo se assustado e fugido, obscureceu e eclipsou a glória desse Capitão. Certamente, como o favor da Fortuna desaparece e se esconde repentinamente; como ela tem suas falhas e seus eclipses, não nos será menos vantajoso preveni-los, como o é para os Astrólogos que preveem os eclipses do Sol. E quando nós os virmos acontecer, não nos surpreenderemos e não cairemos em desordem.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 514-516.
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