sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

II Preceito particular contra a opinião - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
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PRECEITOS PARTICULARES CONTRA A OPINIÃO
SEGUNDO PRECEITO
QUE é preciso esperar os males

CAPÍTULO PRIMEIRO
Mas, além daqueles males que procedem das ações e das coisas, que são os elementos de fixação e de conseqüência dos males – uns não devem nunca ser motivo de apreensão, porque são inevitáveis; os outros devem sempre ser esperados, porque sua vinda é incerta; de outra forma, nossa miséria nunca teria fim, ou seria pelo menos tão grande que ultrapassaria nossas forças e nos seriam insuportáveis; visto que as primeiras nos fariam sofrer um temor perpétuo e as outras, vindo as nos surpreender, nos seriam muito sensíveis e amargas –, é preciso abrir cuidadosamente os olhos sobre tudo o que a Fortuna pode praticar para nos causar pena; é preciso pensar nos dardos mais perigosos de que ele pode se servir. Certamente, pensar que alguém se possa prometer bens maiores do que males é próprio de um espírito mais imprudente do que ousado, mais temerário do que resoluto. Não é próprio de um homem são imaginar que os primeiros sejam em maior número que os outros. A quem a experiência cotidiana já não mostrou justamente o contrário? Será que não sabemos que nos vêm calamidades e desgraças de todos os lados? Será que não sabemos que, sendo, como são, em tão grande número e de tal forma propagadas, a ponto de podermos dizer que a Terra é toda coberta delas, não é de se maravilhar que nós as encontremos em todos os lugares e que elas nos atinjam a todo o momento? Sem dúvida, é preciso esperar, de modo geral, todos os males; não esperar ser isento de algum; às vezes, até mesmo, esperar tudo o que ultrapassa o poder e o uso da Fortuna. Pois bem, seremos enganados em nossa expectativa; os males que havíamos esperado não nos chegarão nunca. Não temos nunca dúvida alguma sobre aquelas aparências que nos causam desprazer; ninguém acredita que nos incomoda anular do estado de misérias de nossa vida aquelas [misérias; ndt] que não sofremos e possivelmente também as maiores que deveríamos ainda sofrer. Eu vos pergunto, o que perdemos por não ter deixado perdido o que pensamos haver perdido? Será que isso não é um proveito? Será que não conseguirmos repouso e alegria? É próprio de um espírito firme e constante estar preparado para toda sorte de maus encontros; ele deve imaginar sempre que não há nada de tão estranho que não tenha sido feito para ele, e que não possa lhe acontecer. Por mais prontamente que a má Fortuna ataque e por mais repentina que seja a aflição causada, ele a acusará, se não for de fragilidade e de covardia, pelo menos de lentidão e de preguiça. Esperando-a desta maneira, prever-se-á felizmente a sua chegada e ela não suscitará nenhuma infelicidade a quem chegar a dizer: “Chegastes bem tarde; esperei-vos por muito tempo; eu vos recebo sem incômodos; como foi sem temor que eu vos vi chegar”.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 508-510.

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