quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

I Preceito particular contra a opinião - Capítulo V

CAPÍTULO V
Desta maneira, o Sábio sempre tem aquilo de que precisa, e não se encontra nunca fora de seu objetivo; e nada de imprevisto lhe acontece, nada de inopinado, nada que o incomode e que seja capaz de lhe fazer perder sua alegria. Assim, o que quer que ele faça ou deseje, ele sempre o faz certo que nada nem ninguém está isento do poder da Fortuna; e, às vezes, ele chega mesmo a ter um certo respeito e reverência por ela; apesar de sempre a desprezar e não se ocupar em nada dela; ele não empreende nada nem nada estabelece baseado na confiança que o comum dos homens costuma ter. Ele lhe submete o sucesso de todas as suas esperanças, e todos os que se promete o faz com a condição de que ela não entrará em seu caminho e que ela consentirá. Ele se reconhece sujeito, da mesma maneira que no menor do povo, aos eventos humanos; mas ele não é, porém, infectado pelos erros do povo. Todas as coisas lhe chegam segundo a forma como ele as premeditou; e ele as premeditou da mesma maneira como elas lhe chegam. Ele deseja que elas passem da mesma forma como chegaram; ele as vê passarem como ele quis que elas passassem. Por mais que ele seja completamente decepcionado acerca do efeito de sua expectativa, ele sempre a realiza de alguma forma; tanto é assim que ele nunca coloca em dúvida que ele pudesse ser decepcionado, que sua expectativa pudesse ser enganada, que ele encontrasse obstáculo para a realização de seus desejos. Assim, pela segurança que ele tem acerca das malícias ordinárias da Fortuna, ele sempre as prevê todas, ele as torna impotentes pela previsão; ele só atingido levemente pelo lamento de ver suas esperanças vãs; porque ele nunca se apoiou nelas fortemente, a ponto de crer que elas seriam capazes de sustentá-lo; ele nunca apoiou nelas seus desejos, por mais leves e sem fundamentos que fossem, pois sabia que eles sempre se tornariam fumaça. Ele não ignora que não há nada que se possa esperar da Fortuna, além de sua malignidade e de sua inconstância; ele sabia que era errado pensar que aquilo que ele desejava aconteceria infalivelmente. Como, pelo contrário, ele sempre se desafiou quanto a isso; como seus desejos sempre foram modestos e moderados; como eles sempre foram tímidos e vergonhosos; ele não se surpreendeu de forma alguma com o fato de que eles não tenham sido respondidos; e só ficou um pouco tocado por isso; assim como ficaria muito pouco tocado se aquilo que ele tivesse prometido a si tivesse acontecido. Certamente, ele sempre será muito pouco enganado em sua expectativa; mas nunca será enganado no conhecimento que tem acerca das ligeirezas da Fortuna e do prazer que parece que ela tem em contrariar nossas expectativas, e zombar de nossas pretensões, e arruinar completamente nossas esperanças e nossos desejos.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 506-508.

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