segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

III Preceito particular contra a opinião - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
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PRECEITOS PARTICULARES CONTRA A OPINIÃO
TERCEIRO PRECEITO
QUE é preciso sentir apreensão através da razão e não imaginar motivos de temor

CAPÍTULO PRIMEIRO
Mas, é preciso sobretudo tomar bastante cuidado para que esta previdência dos males que nós recomendamos tão expressamente, e que é um soberano antídoto, proceda da reta persuasão do Entendimento e não de seu erro; que ela venha da razão pura e sã e não da imaginação desordenada e corrompida. Sem dúvida, há diferença entre o que é e o que somente parece ser; entre a verdade e a mentira. É preciso exatamente premeditar tudo aquilo que a Fortuna tem de meios para nos causar alguma pena; tudo o que sua injustiça e sua malignidade podem colocar em prática para nos afligir. Mas, levar nossa previdência e nossa apreensão para além disso é certamente nos atormentarmos voluntariamente, é encontrar com prazer motivos para nossa tristeza e nossa dor. Como o mais excelente remédio praticado fora de hora não apenas não faz bem como é capaz de causar o mal; da mesma maneira, só sofreríamos muito com as apreensões que nosso espírito conceberia sem necessidade; e a previdência das infelicidades, nos sendo muito salutar quando vemos que seremos acolhidos por elas, é muito prejudicial quando é fora da aparência com a qual elas nos chegam realmente. É preciso, portanto, que nossa apreensão seja justa, seja judiciosa, tenha um fundamento legítimo e que seja declarada pela Razão. De outra maneira, qual seria a nossa pena por estarmos perpetuamente alarmados pelas ilusões e pelas quimeras? Temermos todos os fantasmas que uma imaginação ferida e doente pode formar? É disso que nasce a necessidade, pelo contrário, de desviar nosso espírito muito cuidadosamente; de evitar a premeditação onde não temos nenhum motivo de apreensão, onde aquilo de que se tem apreensão é vão, na medida em que é imaginário e não vem de nós, e por isso vai embora do mesmo jeito que chegou, passa e se destrói a si mesmo; o remédio não é de forma alguma necessário para quem se porta bem, para quem só está doente pela imaginação. Será que não temos piedade alguma por aquele Grego cuja vida foi apenas um contínuo horror por tudo aquilo que não é capaz de causar horror algum? Que sentia apreensão, indiferentemente, por todas as coisas? Para quem o ruído do vento, o movimento das folhas de uma árvore, o latido de um cão, o canto de um galo, o relincho de um cavalo, e outras motivações ainda mais ligeiras lhe davam febre e eram percebidas por ele como desígnios e conspirações contra a sua pessoa? Que não se cria em segurança num quarto bem fechado, e sob um manto de ferro com o qual ele se cobria dia e noite? [no original latino, Nieremberg escreve: "Artemonem infelicem fecit stulta inanium periculorum formido. Plus laceravit illum supervacua cura, quam ipsa discrimina vexatent. Cassandrum examinavit timor statuae". O que poderia ser traduzido da seguinte forma: "Artemão ficou infeliz por causa de um temor louco por vãos perigos. Mais infeliz é aquele que se atormentou por uma diligência supérflua do que o foi de fato vexado pelos mesmos perigos. Cassandro desanimou com medo de uma estátua". Estamos, pois, diante de dois personagens: um é Artemão, um engenheiro grego que viveu no século V a.C.; o outro é Cassandro da Macedônia (350 a.C. – 297 a.C.), filho do general macedônio Antípatro (397 a.C. – 319 a.C.), foi Rei da Macedônia entre 305 a.C. e o ano de sua morte, tendo fundado a dinastia Antipátrida. Segundo o historiador Plutarco, Cassandro, tendo passado perto de uma estátua de Alexandre o Grande, em Delos, teve sensação de desmaio; ndt]. Sem dúvida, ele sofreu muito mais com esta perpétua e vã apreensão, do que ele teria sido se tivesse sido atingido por todos os males que ele imaginava. O que diremos daquele outro infeliz que não conseguia se sentir seguro diante da visão de uma Estátua? Sua imaginação é que lhes causava pena; ela os persuadiu que eles não poderiam encontrar segurando em lugar algum, que as Cidadelas mais fortes, as torres de bronze, por assim dizer, os asilos mais invioláveis, não o eram para eles, visto que todas essas coisas não conseguiam defendê-los deles mesmos, e visto que eles não conseguiam preservá-los do mal que sua fantasia desordenada lhes suscitava. E verdadeiramente como só ela está doente, somente ela deve ser tratada, somente ela precisa de remédio. E, sem dúvida, é suficiente remediá-la, mais do que se encher de cuidados; principalmente quando a cura será tão difícil, visto que, aparentemente, não há nenhuma segurança nesse empreendimento, e visto também que por mais poderosa que seja a Razão, ela parecerá sempre incapaz de conseguir vencer. Porque, que resistência e que pena lhe causam um espírito que entra na sombra de todas as coisas? E, além do mais, não saberemos nós que é quase por milagre que se curam aqueles que são possuídos por uma Opinião envelhecida e fortalecida pelos tempos? Assim, por mais cuidado que se possa ter para lhes fazer conhecer a injustiça de suas suspeitas, por mais que se lhes faça ver que suas apreensões são vãs e sem fundamento, não conseguimos vencer seu espírito [da Opinião; ndt] e, então, eles se abandonam a isso mais fortemente, eles o temem e o multiplicam. Por mais que se lhes mostre as coisas evidentemente seguras e inocentes, eles as têm todas por suspeitas e por perigosas; sempre há, para eles, algum acidente sinistro que os ameaça; algum incômodo encontro que deve acontecer infalivelmente. Na verdade, se há algum remédio para eles, ele só vem do tempo; tudo o que é preciso esperar é o Médico das doenças desesperadas. E é isso que, agora, iremos fazer: não fazer coisa alguma a esse respeito, deixá-los até ao ponto de sua loucura passar e que eles voltem a si e que se tornem capazes de receber os conselhos da Razão. Se acontecer, portanto, que nosso espírito se ligue a uma imaginação triste e funesta, cuidemos de nos divertir tentando contradizê-la e combatê-la; nisso, é preciso que nos governemos da mesma maneira como fazemos com os impertinentes, que disputam obstinadamente sobre qualquer coisa e não conseguem parar com nenhuma razão. Como se deixa que falem tudo sem responder a nada, e como se vence melhor a eles pelo silêncio do que pelo discurso, não precisamos nos dedicar a refutá-la e convencê-la [à imaginação triste e funesta; ndt]; mas, de fato, tudo o que é preciso fazer é desviar nosso espírito dela, com medo de que, vindo a escutar e se prender a alguma de suas palavras, ele se deixe persuadir por ela. É preciso sufocá-la ao invés de respondê-la; tratá-la como se tratam os frenéticos, que são amarrados e trancados para que não façam mal algum. É preciso reduzi-la até ao ponto de ser vencida pelo tempo, se não puder ser vencida pela Razão. Eis o verdadeiro remédio contra esses terrores vãos e pânicos, que nos fazem não saborear os desígnios generosos, que nos desviam das boas ações, e nos impedem de progredir na Virtude. Eles [esses terrores vãos e pânicos; ndt] se ligam, ordinariamente, aos espíritos enfermos e doentes. Depois de lhes ter abalado os sentidos, eles abatem tão fortemente sua coragem que, para levantá-la outra vez e mantê-la na posição direita, é preciso apresentar-lhes um valor artificial, esconder-lhes o perigo, para que, não o conhecendo, eles ajam com mais resolução e não sintam nenhuma apreensão. Sem dúvida, há muitos homens que não são valentes, porque são temerários; e há homens que não têm medo porque que não têm julgamento. Este artifício não deve, porém, excluir inteiramente a assistência da Razão; é preciso empregá-la, quando o espírito voltar do terror que lhe havia feito sair de si mesmo. Porque, enquanto ela não o possui, será inútil empregá-lo. É inútil agir pela via dos conselhos e das exortações com um homem que está violentamente transportado pela cólera; é preciso esperar que ela passe, que seu sangue esfrie, e que o tumulto que se levantou em seu espírito se acalme.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 517-521.

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