segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Sexto preceito - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO TERCEIRO
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SEXTO PRECEITO
QUE podemos fazer bom uso de nossa memória para não sermos surpreendidos pelos males

CAPÍTULO PRIMEIRO
Em seguida [no texto que vimos usando, o tradutor nomeou este preceito como sequência dos "preceitos particulares contra a opinião", no entanto, no original latino, Nieremberg nomeia este como sequência do "Quinto preceito"; optamos, portanto, por manter a proposta do autor; ndt], vamos nos instruir acerca de um novo remédio que não tem menor eficácia do que o precedente no que diz respeito a impedir de sermos surpreendidos pelos males, e para nos dar meios de ressenti-los pouco quando eles nos chegarem. Trata-se de pensar naqueles que sofremos antes, de colocá-los em parte outra vez na memória e, em parte, bani-los, suprimi-los, enterrá-los num eterno esquecimento. Como há aqueles que não são de forma alguma enfraquecidos pelo tempo, que não passam com ele, e que só fazem se endurecer quanto mais duram, sem dúvida é preciso, para sempre, condenar o pensamento sobre eles, defender nosso espírito absolutamente de nunca mais representá-los. Se, por uma certeira e infeliz comichão de nos afligirmos a nós mesmos não conseguirmos deixar de pensar em nossas infelicidades passadas, sentimos algum prazer em descobrir nossas chagas e chega mesmo a parecer que queiramos torná-las incuráveis e mortais, então, certamente, é preciso fazer com que nossa Razão aja poderosamente, a fim de dissipar nossa dor; é preciso que ela se dedique com todas as suas forças no sentido de esclarecer as nuvens que se elevaram em nosso espírito, e se dedique também a apagar as malvadas imaginações que nos são suscitadas. Se ela não conseguir, que tenhamos a habilidade de opor a elas outras imagens agradáveis, combatendo nossa tristeza presente através da lembrança de nossa alegria passada, pensando nas coisas que felizmente conseguimos e das quais recebemos consolação e prazer. O feliz efeito deste artifício é suficientemente justificado pelo exemplo daquele famoso Escravo que tremia de alegria nos tormentos, e que suavizou o rigor de seu suplício pela satisfação de ter vingado a morte de seu Mestre [o original latino faz referência a um certo Asdrúbal, mas não está claro a qual se refere, visto haver uma grande quantidade de personagens da história de Cartago com esse nome; ndt]. Mas, esse remédio só serve para os espíritos fracos e tímidos, para aqueles que não têm a coragem de sustentar a abordagem e a presença dos males. Ser-nos-á muito útil também formar a imagem das prosperidades que podem nos chegar, deixar que nosso espírito passeie por toda a extensão dos, por assim dizer, vastos campos da esperança; concedendo-lhe um prelúdio dos bens que pode receber no futuro. E é nisso que terá seu uso, mas um uso inocente e legítimo, a doutrina daquele engenhoso artesão das Volúpias, Epicuro, que queria que não tivéssemos nem lembranças nem pensamentos acerca dos males, mesmo quando fôssemos o mais fortemente afligidos por eles. E que, em meio às cruzes e às perseguições da Fortuna, nosso espírito concebesse incessantemente a Ideia de coisas prazerosas e se entretivesse com aquelas que podem enchê-lo de regozijo. E, para dizer a verdade, quem nos pode impedir de prolongar nossa alegria para além de seus limites naturais? Visto que o podemos, muito facilmente, fazer através da lembrança e dos discursos. Sirvamo-nos desse meio infalível que temos para saborear dela outras tantas vezes quanto nos aprazer; esse meio de fazê-la voltar todas as vezes que quisermos; visto que este meio é tão fácil de empregar que, para praticá-lo, só nos é preciso a imaginação e o pensamento.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 522-524.

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