segunda-feira, 12 de abril de 2010

Primeiro prelúdio - Capítulo III

CAPÍTULO III
Mas, o que julgaremos nós, eu vos pergunto, e qual será o nosso sentimento acerca de certos Sábios da antiguidade [ele vai, em seguida, apresentar algo que, no texto, parece ser uma citação, no entanto não há referência de quem seja este "sábio da antiguidade" a que se refere; ntd] que, não sendo mais justos quanto à Natureza, ousaram mesmo acusá-la de não reconhecer os homens como seus filhos, e de não os tratar melhor que uma madrasta trata os do primeiro matrimônio, que ela lhes é negligente, quando não os persegue, e que eles são o objeto contínuo de seu ódio ou de seu desprezo? Eu sei que não deixarão de me dizer o que eles dizem ordinariamente e que sempre foi o mais comum de seus temas: Que se a Natureza teve algum cuidado com o homem - o que eles têm mesmo dificuldade em assumir -, ele é extremamente inferior àquele que ela teve pelo resto dos animais; já que, ao lhes dar o ser, ela os supriu, ela os aparelhou de tudo o que lhes é necessário, ela os revestiu, e lhes deu os instintos para se alimentarem e para se defenderem; que apenas ao Homem ela deixou nu, pobre, sem lugar, sem armas, até o ponto que parece que ela tenha querido excluí-lo da posse de todos os seus bens, e o abandonar inteiramente [a citação a que se refere Nieremberg, no original latino, é a seguinte: "Armavit que manu, cornu, pede, dente, veneno, / Atque aliis, quibus artis inops, animique minoris"; ndt]. Na verdade, se há falta nisso, ela não poderia ser tão razoavelmente imputada à Natureza que à Fortuna; a injustiça seria muito menor se tomássemos esta última como culpada. E depois de tantas injúrias e calúnias, depois de tantos golpes mortais, por assim dizer, que ela recebeu, ela não teria nenhuma dificuldade em sofrer esta frágil ofensa. Há, certamente, menos mal em acreditar que os limites que são ligados à condição humana - falo de todo tipo de calamidades que a subjugam - não procederam em nada dos limites da Natureza, mas são puramente efeitos de sua desgraça; que ela não teve nenhuma aversão típica de uma madastra pelo homem; mas que, parecida com uma boa mãe cujo parto não foi feliz, e que deu num fruto abortivo, ela não deixa de o amar, porque ela não é culpável em nada da imperfeição de seu nascimento. Teremos nós, então, razão para nos espantar com o fato de que nossa vida seja apenas uma perpétua fuga e um encadeamento de misérias, que as desgraças sejam frequentes, e que as infelicidades reinem nela tão felizmente, por assim dizer, já que fomos desejados expostos desde o momento em que nos quis dar à luz, que seu curso começou com o de nossa vida; que nós estamos muito mais comprometidos com os caprichos da Fortuna do que com a sabedoria da Natureza; e que aquela usurpou de nós todos os direitos e todo o poder que esta última deveria ter? [há, no original latino, uma citação, pouco antes do final, em grego que diz: "Χρός α διδάσκες κάν βραδύς τις ή σοφόν"; para a qual acrescentaremos tradução em breve; ndt].

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 11-13.

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