terça-feira, 20 de abril de 2010

Segundo prelúdio - Capítulo VII

CAPÍTULO VII
Experimentamos sempre como a alegria que as coisas nos prometem é falsa e enganadora e como somos infelizes de tirar proveito delas. Todo dano que nos chega não é suficiente para nos desiludir, toda a nossa experiência se torna inútil por causa de nossa fraqueza. Não acho que isso seja estranho: que tenhamos medo do mar depois do primeiro perigo por que nele passamos; porque, se ele é tempestuoso uma vez, não é estranho que esperemos que, da outra, ele seja tranquilo; mas, para não mentir em nada, eu não me admiraria suficientemente, tendo visto tão frequentemente a nossa alegria acabar nas tempestades que a Fortuna suscita, de ver que não temos medo algum, que não perdemos a confiança nela [na Fortuna], que nos asseguramos em suas promessas, e nela embarcamos de novo tão logo ela se acalma e a vemos como que recolocada na bonança. Nós nos lisonjeamos com este pensamento: que sua cólera se apagou, que só queria nos colocar à prova, que sua verdadeira intenção não era nos fazer mal, mas apenas nos fazer medo. Será que devemos nos surpreender com o fato de que ela, depois de ter corrido o mundo inteiro, com a mesma rapidez que a chama corre pelas florestas e que o vento do Sul corre sobre as águas, para dizer com o Poeta [não sabemos de que poeta se trata e, no original latino, não aparece a referência nem ao poeta nem à citação utilizada na tradução por Louys Videl; ndt], repousa por um momento, a fim de retomar o fôlego e, então, se recolocar em sua corrida? Saibamos que se, alguma vez, ela para, ela repousa, é muito mais por cansaço que por um desígnio seu de nos deixar repousar. Alguém [no texto original, Nieremberg se refere a um certo sírio: “dixit probe syrus”; ndt] disse, com muita razão, que acusamos Netuno sem razão, após um segundo naufrágio. É melhor dizer que aquele que chora uma segunda desgraça acusa a Fortuna injustamente, que ele merece o que ele chora, e que apenas ele é culpável por aquilo de que se lamenta. Um mercador da Sicília que encheu seu barco de figos, tendo sido obrigado pela tempestade de lançá-los ao mar, e vendo do barco que o mar se tornou tranquilo outra vez após isso, disse: vejo bem o que aconteceu: quereis os meus figos; sua chacota foi agradável, mas sua conduta foi adequada, pois ele não quis trazer os figos de volta para o barco, ele se guardou de exigir piedade de quem não tem nenhuma. Se fôssemos sábios, troçaríamos e desejaríamos também que a fortuna troçasse de nós, culparíamos apenas a nós mesmos dos males que nos chegam, visto que eles só procedem de nós mesmos e que nós somos unicamente sua causa. Quem pedisse um fruto a um Olmo não seria muito ridículo? Não é possível ser liberal com aquilo de que se tem necessidade. Quem nada tem nada pode dar. Se a felicidade não vem das coisas que estão fora de nós, é uma extrema loucura a esperar delas. Elas são impotentes, não saberiam beneficiar ou nutrir; se elas só sabem fazer a última, isso quer dizer que elas são suficientemente a outra [frase obscura, que precisa ser comparada com o original latino que diz – a partir da comparação com o olmo até o final do capítulo: “Qui fructus, & remedium famis quaereret ab ulmo, non istam, sed se accuset. Nemo prodiget, quod mendicat. Nemo potest dare, quod non habet. Debet petere ab habente. Si non habent res gaudium, stultum est, illas flagitre importuno voto. Non itaque reae nostri angoris sunt, quas absque iure criminamur. Ipsae innocentes a damnis nos vexantibus: ipsae illiberales bonorum, quibus perfruimur. Non valent benefacere, nec sciunt noscere: satis licet in hoc beneficae praeterea ineptae, nisi nostra; erudiat, opemque ferat voluntas, nosve prodat. Nec gratiam merentur, nec bilem. Nihil dare possunt, quod sibi cor non praecipiat”; ndt]. Não podemos receber bem algum delas se nossa vontade não as ajudar; nem mal algum se ela não nos trair: certamente, não há nada do que se louvar ou se lamentar. Elas não merecem nem cólera nem reconhecimento; elas não nos poderiam dar nada que não venha absolutamente de nós mesmos.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 58-60.

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