CAPÍTULO V
Qual é, portanto, nossa cegueira quando nos insistimos em cuidar das coisas que são estéreis e infrutíferas? Qual é a nossa loucura quando as abraçamos com tanta paixão e nos ligamos a elas como a trepadeira se agarra ao rochedo; visto que não seríamos capazes de nos manter ligados a elas por muito tempo e nem com tanto firmeza como a trepadeira sobre o rochedo? A trepadeira se conserva por si mesma, se mantém verde pelo seu próprio humor [trata-se aqui não da ideia de humor que temos hoje. Na medicina da alma – de fundamentação hipocrático-galênica – os humores eram os fluídos que controlavam os temperamentos dos seres animados; ndt]. Porém, a raiz de nossa alegria se seca muito rapidamente, porque não queremos alimentá-la a partir de nós mesmos, mas gostamos que ela receba seu alimento de fora de nós, que ela tire seu alimento de uma pedra, ou de algo que não poderia dar nada a ela. Ignoramos ainda que as coisas que estão fora de nós não produzem nenhum contentamento e que a tristeza também não vem delas? Assim como os terrenos ruins só dão origem às ervas daninhas e aos espinhos, será que ainda ignoramos que apenas a vontade é a mãe da alegria e que é ela que faz nascer a alegria, por assim dizer? As coisas podem, verdadeiramente, ajudar de alguma maneira no nascimento da alegria, elas podem servir a isso, mas elas não são capazes de dá-la à luz. É o nosso coração que produz nossa alegria. Por que abusamos de nós mesmos, fugindo dos sofrimentos e da pobreza – que são, para nós, asilo e muralha contra os assaltos da Fortuna e nos lembram, constantemente, de sua inconstância e sua fúria? Por que nós nos enganamos com o desejo das riquezas e das volúpias, imaginando que elas devem nos tornar felizes – visto que esse desejo nos suscita uma tristeza dupla, a de ter desejos ridículos e de tê-los inutilmente? Aprendamos que a riqueza e a pobreza não têm caráter certo pelo qual as podemos conhecer e distinguir uma da outra. Sem dúvida, elas são iguais; e onde há igualdade não há superioridade, não há eleição. A alegria será encontrada mais certamente numa cabana onde a pobreza resida que num Palácio onde reine a opulência e o luxo. Não é por acaso que as coisas nos agradem ou nos causem mal estar. Relembremo-nos sempre de que a alegria e a tristeza são estranhas a estes lugares, que elas não têm ali nem sua morada nem seu país, por assim dizer. Para nos fazer uma verdadeira imagem, representemos os errantes e vagabundos, que não têm nem caminho nem abrigo certos, que viajam por capricho e apenas para ver o país, mais do que com um objetivo formado de fazer uma viagem. Saibamos, com isso, que eles habitam muito mais o lar do pobre que o do rico, nas choupanas que nos grandes pavilhões, sob uma palhoça que sob lambris dourados. Eles ficam onde a noite os segura. No dia seguinte, eles retomam o caminho e continuam sua rota incerta. Não há nada a que a alegria se ligue particularmente, não há nenhuma amarra capaz de pará-la, apenas o nosso coração, ele sozinho, é capaz de retê-la e colocá-la entre correntes. Não há também lugar de onde possamos banir a tristeza, não há lugar tão bem fechado em que ela não possa entrar, ela tem a liberdade de entrar em qualquer lugar, ela não pode ser expulsa por Guardas de Palácios de Reis, nem por seus oficiais, de seu gabinete; não há nenhuma proscrição para ela. Que extravagância ir, com propósito deliberado, buscar a alegria onde estamos seguros de que só encontraremos a tristeza, onde não sabemos qual das duas encontraremos primeiro? O que diríamos daquele que fosse comprar pão num açougue, e carne numa padaria? É se desagradar da mesma forma que procurar alegria nas coisas. A alegria não está nelas, se a Vontade não as faz serem encontradas. Poderá haver maior loucura que correr mar e terra para procurar aquilo que temos dentro de nós? Fazemos esta loucura quando buscamos a alegria fora de nós, quando procuramos algo que está em nossas mãos. Esperamos de outro o que podemos nos dar a nós mesmos. Por que, portanto, iremos buscá-la por tantos caminhos e com tantos cuidados? Ela está ligada à nossa pessoa, não às coisas, e é nisso que consiste a excelência de nossa felicidade. Quando elas todas acabarem, nossa alegria não acabará; ela se encontrará inteira e sã após as ruínas mesmas do mundo. Ela só pode acabar quando acabarmos nós também, pois nós a carregamos dentro do nosso coração.
NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 53-56.
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