quinta-feira, 15 de abril de 2010

Primeiro prelúdio - Capítulo XI

CAPÍTULO XI
Com isso, nós os temos duplamente: o divino Benfeitor no-los distribuiu com duas mãos. É assim que eu nomeio estas duas faculdades: o Entendimento e a Vontade. Certamente podemos, pela assistência de uma das duas, nos curar completamente de nossos males; podemos mesmo preveni-los e contorná-los; há vezes, inclusive, em que não nos é difícil converter, com sua ajuda, em felicidade nossa própria miséria, já que a felicidade é justamente o remédio da miséria – se é que podemos chamar de remédio o que, mais apropriadamente, deveria ser a saúde mesma. É-nos suficiente, portanto, para obter tudo aquilo de que precisamos, e eu diria ainda mais, que nos é suficiente para não termos necessidade de coisa alguma; ficando certos de que nisto consiste a verdadeira riqueza, e que ela é muito mais não ter necessidade alguma do que nos livrarmos das necessidades. O entendimento supre, através de sua arte, os defeitos dos bens que recebemos da Natureza; ele é abundante em invenções excelentes e raras que nos impedem de estimar os dons que ela deu aos animais e de querê-los para nós. Ele nos dá, sumamente, o suficiente para nos satisfazermos e não invejarmos a condição dos animais. Ele nos preserva do erro de acreditar que eles foram mais felizes do que nós. Mas, apesar de ele nos haver munido suficientemente de tudo o que nos é necessário, seu poder não se estende a nós de forma a podermos combater a inconstância e a malignidade da Fortuna. Ele supre, verdadeiramente, os defeitos da Natureza, mas ele só o faz em parte: ele não seria capaz de consertar esses defeitos. Por maior e mais comprovada que seja a virtude de um medicamento, ela não ultrapassa ou adoça a violência da doença, ela não produz sempre e em todo o tempo a cura inteira. Tudo o que esta arte pode nos ensinar – e é, sem dúvida, muito – é não cair num desejo tão baixo como aquele que o vulgo tem pela condição animal, e não cometer a injustiça de caluniar nossa mãe comum.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 31-32.

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