quinta-feira, 15 de abril de 2010

Primeiro prelúdio - Capítulo XIV

CAPÍTULO XIV
Nós o temos em nossas mãos, trazemos em nosso coração este excelente antídoto contra nossa miséria, mas nós o negligenciamos porque ele está em nosso poder, a comodidade de seu uso nos é causa de desprezo. Nós buscamos antídotos difíceis e distantes que não têm nenhuma virtude; e quando eles se mostrarem muito fracos para ultrapassar a violência de nossos males presentes, e muito limitados para igualar ao seu número, eles não poderão mais prevenir o que nos suscita nossa enfermidade. Consideremos, aqui, seriamente, nossa condição. Façamos uma revisão geral do estado de nossa vida: estamos sempre perdendo ou necessitando alguma coisa, não segundo a Natureza, mas segundo a nossa ambição. O temor dos perigos nos quais podemos, a qualquer momento, cair nos dá trabalho; as injúrias, os desprezos que recebemos nos afligem; os incômodos que invadem naturalmente o nosso corpo; tantos acidentes complicados, tantos desencontros; tudo isso nos faz pensar que não será possível encontrar remédios para tantos males. E quando nós os encontramos, o cuidado de colocá-los em prática será um novo mal para o qual, porém, não haverá remédio. Imaginemos, eu vos suplico, um homem feliz a tal ponto que não tenha jamais havido um igual – um homem que seja considerado como o perpétuo objeto dos favores da Fortuna, e que não tenha nem mesmo aspirações mais, visto que lhe parecerá que sua vida não será mais atravessada por nenhum problema, que todos os dias lhe serão sem nuvens e todas as rosas lhe serão sem espinhos: a um homem desses, ainda assim, lhe restaria o medo de que sua felicidade mudasse; ele seria como que atingido pela preocupação de uma secreta apreensão, a de que a Fortuna só o elevou tão alto para o lançar no precipício, para cumprir a infeliz tarefa de mostrar a ele todos os traços de sua cólera e o deplorável exemplo de sua inconstância. Reconheçamos, portanto, que há muito menos remédios que doenças, que nossa pena será extrema e, às vezes, até mesmo infinita, na medida em que nos dedicarmos a nos curar em partes. Reconheçamos que a melhor coisa a fazer é recorrer ao remédio universal que trazemos dentro de nós e que consiste na vontade bem ordenada. De outra forma, seremos como alguém que, saindo nu pelos campos, durante uma grande chuva, quisesse não se molhar e cresse poder evitar se molhar por sua própria força. As calamidades desta vida são tão abundantes que podemos mesmo dizer que elas chovem sobre nós. Seria uma extrema loucura pretender evitá-las todas. É preciso, para isso, procurar uma cobertura e se colocar sob uma poderosa proteção. O que diríamos nós do soldado que fosse nu a um assalto? E que, tão logo o ferro e o fogo começassem a cair de todos os lados, se cresse em segurança só porque não sofreu ainda o primeiro golpe? Para ser invulneráveis é preciso ter armas experimentadas. Nossa vida não é somente uma guerra, é um combate: se nós não nos fortalecermos com uma boa resolução, se nós nos portarmos indignamente, sem dúvida, os aborrecimentos nos sobrecarregarão, seja por sua grandeza seja por sua quantidade. Não há nenhuma outra defesa que nos possa garantir contra a má sorte. Isso cabe apenas à Virtude. Isso é próprio apenas da Vontade que sabe prevenir todas as coisas capazes de a desregularem.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 37-39

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