quinta-feira, 15 de abril de 2010

Primeiro prelúdio - Capítulo XII

CAPÍTULO XII
Eis as vantagens que nos vêm disso. Conhecemos sua utilidade, é-nos ainda necessário, daqui em diante, conhecer seu emprego. Após haver concebido a opinião de nossa felicidade, e nos termos feito a imagem de sua posse infalível e próxima, encontramo-nos, com admiração, diante do fato de que estamos ainda muito distantes de possui-la, e de que fazemos nós mesmos a nossa miséria na medida em que dedicamos muitos cuidados na busca por coisas supérfluas, ou pelo desgosto que temos pelas que nos são realmente necessárias, e pelo sofrimento moral com o qual suportamos nossa condição que, porém, não é insuportável. Após todas essas considerações e toda a nossa invenção, restam-nos ainda certos cuidados. Ainda que estejamos na abundância de todas as coisas, que tenhamos nossos contentamentos e comodidades, e que possamos dizer que nossa ambição esteja satisfeita, ela não está totalmente saciada. Por isso, não conseguiríamos ter repouso. Por isso, concebemos, sem parar, esperanças e desejos. E como só nos lembramos de imputar a causa de nossas dores à Natureza, ressentimo-nos de que ela seja culpável, e criamos novas inquietudes, porque, procurando outros bens que não os seus, apreendemos os inconvenientes que nos podem vir desses outros bens, ou sofremos impacientemente os sofrimentos nos quais já caímos. Porque, para bem dizer, o entendimento sozinho não conserta nossa miséria: todos os seus artifícios, todos os seus esforços não são capazes de nos livrar dos males que nos incomodam. O entendimento precisa, para isso, do socorro da Vontade: esta é a chave de leitura desta obra, seu maior empreendimento. Seguramente, nosso mal não é sem remédio; o que o entendimento não pode nos dar seremos capazes de obter da Vontade, desde que ela não esteja corrompida e misturada com as volúpias; mesmo que, nesse estado, ela produza a maior de todas as volúpias: uma volúpia purificada de toda ambição, que não é frágil nem decrépita como a do corpo, mas que é sólida e permanente; uma volúpia que a Filosofia não teve nenhum escrúpulo em honrar com o nome de Virtude, que opera a paz e a alegria do espírito, em meio às mais violentas dificuldades e os mais cruéis ultrajes que recebemos da Fortuna. Foi a propósito dela que um Poeta [não conseguimos localizar nada a respeito deste poeta; ndt] me parece ter dito razoavelmente que a paz é a completa e inteira obra da Virtude, o feliz fim dos trabalhos, o preço da guerra cumprida, a recompensa das penas e dos perigos; que, por ela, os Astros mesmos conservam seu posto e seu brilho; que ela é o firme vínculo que ajunta e mantém as coisas do mundo; que ela é o que Deus ama e aquilo que Lhe permite trazer o título que tem. Há um método que nos conduz, como que pela mão, à posse de um bem tão grande: implorando, antes de tudo, os favores do Céu, sem os quais todos os nossos trabalhos serão inúteis, e não saberíamos nunca manter o caminho da virtude. Com essa assistência do alto, nossa vontade pode, comodamente, ser instruída, porque a graça se acomoda a ela e não lhe tira sua liberdade. Há ainda uma excelente maneira de usar de nossa vontade para impedir que a Fortuna abuse do poder que nossa fraqueza lhe concede. E esta maneira tem preceitos que nos ensinam a moderação, o desejo ou a aversão que devemos ter por todas as coisas, a fim de podermos erguer um bastião contra as adversidades, uma tranquilidade nos problemas, uma alegria nas dores, e até mesmo uma felicidade na miséria.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 32-34.

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