sexta-feira, 16 de abril de 2010

Segundo prelúdio - Capítulo I

A ARTE
DE CONDUZIR
A VONTADE

LIVRO PRIMEIRO
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SEGUNDO PRELÚDIO
QUE as coisas que estão fora de nós não nos tornam em nada felizes e não produzem nenhuma alegria

CAPÍTULO PRIMEIRO
Está, portanto, claro que o meio de nos tornarmos felizes está inteiramente em nosso poder, não há dúvidas de que somos os próprios artesãos de nossa alegria e de que a composição de nossa felicidade depende absolutamente de nós. Mas, antes de começarmos este trabalho, antes de trabalharmos em uma obra tão necessária e tão preciosa, é importante aprender onde se encontra a matéria: se, segundo nossos princípios, ela se encontra em nós ou fora de nós. Se ela reside em nosso coração, podemos esperar um feliz sucesso de nosso desígnio, podemos pretender que nossos cuidados não serão inúteis. Mas, se ela vem de longe, e se é um produto de coisas que estão fora de nós, nos será tão difícil estabelecê-la que não poderíamos ignorar que elas não são de nossa jurisdição e que não somos sequer capazes de regrar seus acontecimentos. Sem dúvida, não temos o poder sobre a Fortuna que temos sobre nós: não a governamos em nada e não somos em nada mestres de seus caprichos. Ela tem o espírito menos constante ainda e menos quieto do que o cérebro de Zoroastro [profeta persa, nascido no século VII a.C., também conhecido como Zaratustra; ndt]. Ela [a Fortuna] tem um cérebro, assim como ele, num movimento perpétuo, e alguém poderia encontrar aqui um motivo para se divertir, ao saber que o que nele era uma marca de saber, nela é um sinal de insanidade. A Natureza não está de tal forma dentro de nós que, com ela, façamos uma mesma coisa. E tudo o que podemos nisso é sofrer o império e as irregularidades da primeira; sofrer as leis e ceder às necessidades da outra. Se a felicidade consistisse nas coisas que estão fora de nós, se ela procedesse, de fato, delas, poderíamos ter melhor meio para obtê-la do que nos ligar àquelas que são as mais férteis em prazer, e do que nos afastar e nos defender de tudo aquilo que causa dor? Mas qual a segurança, eu vos pergunto, nós poderíamos ter nisso? Como poderíamos saber, com tanta certeza, qual a diferença? Como colocar de um lado as agradáveis e de outro as importunas, as dividir em duas ordens separadas e distintas? Somos, todos os dias, agitados por paixões contrárias que não nos dão nenhum descanso, e é isso o que faz a nossa tristeza. Quase não somos sempre os mesmos: o que nos chocava mais cedo, agora nos agrada; o que condenávamos ontem, aprovamos hoje; e a experiência comum torna supérfluo o cuidado que poderíamos ter de justificar que, o que é matéria de alegria para um, é motivo de tristeza para outro. Os sentimentos do espírito são infinitamente mais diversos do que os do órgão que serve ao paladar: é preciso que as carnes pareçam bastante mais diferentes a este do que as coisas se mostram àquele. Não há razão mais poderosa, discernimento mais claro, experiência mais segura que possa estabelecer os fundamentos disso, que seja capaz de separar as boas das más. Elas estão todas misturadas e numa grande confusão: não há nada de mais incerto do que a certeza daquelas nas quais consiste a felicidade. Elas têm todas um rosto duplicado, elas brincam com a gente com duas mãos, elas nos sacodem, por assim dizer: na medida em que elas nos recebem com uma das mãos, elas nos lançam fora com a outra.

NIEREMBERG, Jean Eusebe. L'art de conduire la volonté selon les preceptes de la Morale Ancienne & Moderne, tirez des Philosophes Payens & Chrestiens. Traduit du Latin de Jean Eusebe Nieremberg, Paraphrasé & de beaucoup enrichy par Louys Videl, de Dauphiné. Dedié à Monsieur de Lionne, Conseiller d'Estat ordinaire & Secretaire des Commandements de la Reyne Regente. Paris: Chez Jean Pocquet, 1657, pp. 44-46.

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